1 de dezembro de 2014

As duas duquesas

LA VIRREINA

Joaquín Ezequiel Linares (1927-2001)

Dizem que nas vésperas do primeiro de dezembro de 1640, D. Luísa de Gusmão (1613-1666) terá dito no seu idioma materno com pronún-cia andaluzo-alentejana: Antes reina por un día que duquesa toda la vidaSegundo afirmam as más-línguasa declaração categórica da duquesa terá dissipado as hipotéticas hesitações do duque seu marido em assumir sem rodeios o trono da Monarquia Lusitana, restaurada sob a égide da Sereníssima Casa de Bragança. Ironias que a história gosta de coligir e divulgar. Apetece frisar o paradoxo do final da união ibérica pessoal das coroas de Portugal e Castela se ter devido às ambições régias duma Medina-Sidónia espanhola.

Diz-se também que no próprio dia do golpe de estado palaciano, Margarida de Saboia (1589-1656) terá tentado ingloriamente resistir aos revoltosos que lhe invadiram os aposentos, onde exercia as funções de vice-rainha de Portugal (1534-1640), perguntando-lhes com a altivez própria duma duquesa de Mântua e Montferrat, neta de Filipe II e prima direita de Filipe IV das Espanhas: ¿Qué es esto? ¿Dónde está vuestra fidelidad?Ao que D. Carlos de Noronha, um dos conjurados, lhe terá respondido em bom e legítimo português: Se Vossa Alteza não quiser sair por aquela porta, terá de sair pela janela, apontando-lhe uma das varandas do Terreiro do Paço.

Os regimes monárquicos têm destas bizarrias peregrinas, repetidas tantas vezes ao longo da sua história secular de guerras dinásticas, que os próprios regimes republicanos acabam por dar ouvidos a essa retórica coroada com data marcada no calendário. Até nos es-quecemos que o velho rei destronado e o novo rei aclamado serem trinetos de D. Manuel I de Portugal. Tudo farinha do mesmo saco. As miragens duma independência recuperada continuam a ser con-vocadas ano a ano por um mesmo saudosismo pretérito. Agora que o lenitivo dum feriado nacional nos foi arrebatado, confessemos que nos resta muito pouco a celebrar dessa querela familiar...

1 comentário:

  1. O homem e a sua busca incessante por regimes não totalitários... Mas a esparrela espreita em cada esquina e, apesar de nos termos livrado da secularidade de sangue azul que, regra geral, muito fez sofrer o povo, hoje enfrentamos regimes igualmente desumanos que não se lembram que sem o povo não existe nação... Enfim, cada passo a seu tempo!

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