30 de janeiro de 2015

Era uma vez um contador de histórias chamado José…


Somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não…
José Saramago, O Globo (1997)
O percurso terrestre dos homens pode resumir-se à fórmula nasceu-viveu-morreu. José Saramago (1922-2010) faz parte doutra categoria. Preencheu a parte central da viagem com versos e prosas registados na lembrança de quem os leu. Fê-lo com palavras adequadas e no momento certo. O trajeto pelas letras foi-se fazendo pelos sendeiros da poesia, conto e romance, pela crónica jornalística, pelas ribaltas do teatro, pelas pequenas e grandes memórias, pelos diários, cadernos e apontamentos, com incursões virtuais pelos universos da blogosfera. Na bagagem do viajante houve lugar para todos os géneros e formatos postos à disposição dos criadores das ideias escritas e declamadas. A obra fala-nos de mitos e contramitos bíblicos e helénicos, de amores e desamores laicos e divinos, de cavernas platónicas e de homens duplicados, de manuais de pintura e caligrafia, de ensaios da cegueira e da lucidez, das vicissitudes dum povo que se levanta do chão e se põe a navegar numa jangada de pedra ou a sobrevoar um convento real numa passarola de vime movida pela vontade das gentes. Livros que falam de livros e de histórias com história dentro, poemas possíveis deste mundo e do outro, poéticas dos cinco sentidos centrados numa ilha desconhecida ou na maior flor do mundo. E entre todos os nomes chamaram-lhe Saramago. Uma alcunha transformada em nome maior, a ombrear com os inventados da ficção, como Blimunda Sete-Luas e Baltasar Sete-Sois, para dar mais brilho ao realismo mágico das histórias fingidas e sentido real às verdadeiras que as inspiraram. Alegorias quotidianas projetadas ironicamente para a eternidade, premiadas em nome de Camões (1995) e Nobel (1998). Uma viagem de Azinhaga para Lanzarote com passagem pelo mundo. In nomine Dei ou dos homens que inventaram os deuses nesta terra de pecado para ser como eles e não ter mais nada que contar…
Artur R. Gonçalves, «Nota Biográfica»
(Faro, Universidade do Algarve - Fundação José Saramago, 2012: 43-44)

2 comentários:

  1. Uma recensão que tudo diz sobre Saramago, de forma pedagogicamente mágica. Um dos escritores que muitas boas e belas horas de leitura me concedeu e, por este andar, de muitas mais vou beneficiando, por ele inspiradas. Com muito prazer!

    ResponderEliminar