28 de fevereiro de 2015

Sem um vê de volta na ponta...

Unabridged Audiobook

Deparei-me um destes dias com uma edição recente da Servidão Humana de Somerset Maugham. Estava exposta na secção dos livros mais vendidos duma megalivraria à escala global já instalada no megacentro comercial da minha cidade. Olhei para ele, senti um impulso muito forte de lhe pegar, mas deixei-o pousado onde estava. É que ainda não perdi a esperança de recuperar o exemplar que em tempos emprestei a alguém e ainda não se lembrou de mo devolver ou se esqueceu de mo ter pedido.

Imagino tratar-se duma edição comemorativa do primeiro centenário da sua editio princeps que neste ano de 2015 se celebra. Apresenta na capa um grande plano de Bette Davis e um menor de Leslie Howard, intérpretes de celuloide escolhidos em 1934 por John Cromwell para dar corpo no cinema a Mildred Rogers e Philip Carey, os protagonistas dum dos romances mais emblemáticos do século passado. Esta a opinião defendida pelos profissionais da crítica literária contratados pelos editores como operação de marketing.

Adquiri o volume que anda perdido em mãos alheias, numa altura em que as questões existenciais colocadas pelo herói central da história narrada tocavam de muito perto as questões existenciais que a minha adolescência inquieta me colocava. Anotei-as de modo exaustivo nas margens de papel do exemplar que um dia me deixou sem um vê de volta na ponta. Mais do que o livro extraviado do meu convívio, o que a mim me faz falta é esse testemunho pessoal de jovem leitor que arrisco a perder para sempre.

O sumiço por empréstimo dum dos livros da minha vida fez-me lem-brar uma história antiga que em tempos li não sei onde ou ouvi contar não sei a quem. Camilo Castelo Branco teria afixado na sua biblioteca pessoal duas frases lapidares que evitariam estas via-gens inglórias sem bilhete de ida-e-volta. Os livros só se emprestam aos bons amigos | Os bons amigos não pedem livros emprestados. Remédio santo que evitaria os efeitos nefastos do velho ditado chinês: Se emprestar um livro é estupidez, pior ainda é devolvê-lo.

2 comentários:

  1. Partilho da tua nostalgia de livro não devolvido, principalmente quando foi um que nos tocou de forma especial... Perdi do mesmo modo "Memorial do convento" e ainda hoje sinto a falta daquele livro que me foi oferecido por uma explicanda muito inteligente, que ainda por cima tinha pouco dinheiro. Sei quem o tem, mas nem sequer sei se ainda vive, uma amiga de há longos anos de quem perdi o contacto. Nunca consegui substituí-lo por outro, esperando um milagre pois é pessoa que vive perto de quem me conhece. Outro foi "O prémio", de Irwing Wallace, mas este já o substituí quando numa feira ao ar livre veio ao meu encontro uma edição do Círculo de Leitores. Se continuar, choro aqui lágrimas pesarosas por outros perdidos na mesma condição. Lembro-me do Germano de Almeida, escritor cabo-verdiano que foi viver na nossa terra e de repente de se deu conta que a sogra emprestava os livros dele e que muitos não regressavam às prateleiras, pelo que teve de reconhecer que livro é para isso mesmo, ser lido e ser partilhado, para já numa terra de gente pobre... Mas a lição não me serve e continuo à espera do regresso do meu Memorial ao seu convento...

    ResponderEliminar
  2. Também sei quem tem o meu. Sempre soube. Os meus empréstimos nunca ultrapassaram a esfera restrita constituída por pessoas conhecidas e confiáveis. Enganei-me algumas vezes, mas é uma situação que não se volta a repetir. Presentemente, quando o pedido me é feito, prefiro comprar um exemplar novo e oferecê-lo. Assim não terei de ficar à espera duma devolução mais do que duvidosa.

    ResponderEliminar