17 de abril de 2015

Viajando com Andersen na bagageira

PAPER CUTS by HANS CHRISTIAN ANDERSEN
«Lady with pointy hat and green and black skirt. Christmas tree decoration»
[Odense City Museums - Hans Christian Andersen Museum]

A PROPÓSITO DA RAPARIGUINHA DOS FÓSFOROS
 
Viajei para a Dinamarca com uma coletânea dos contos de An-dersen na bagagem de bordo. No voo entre Lisboa e Copenhaga, reencontrei-me com A rapariguinha dos fósforos (1845). História estranha para contar às crianças dos nossos dias, tão pouco habituadas a encontrar na morte dos protagonistas um final feliz. Na época em que foi escrita, a consolação de encontrar no além uma recompensa celestial eficaz para as amarguras terrestre sofridas talvez funcionasse. O espírito salvador do Cristianismo, católico ou protestante, estava muito mais arreigado no espírito das gentes de idade menineira, juvenil ou adulta. Outros tempos.

O que me causou maior estranheza no relato tem muito pouco a ver com os problemas aludidos de ordem transcendental. O facto da heroína passar a última noite do ano a vender fósforos é que me pareceu perfeitamente peregrino. Absurdo. Perguntei-me muitas vezes quem é que, em seu perfeito juízo, se prestaria a tal negócio. Disparate. Depois, fiz uma primeira viagem à Dinamarca e encontrei, numa das praças de Copenhaga, uma jovem a vender cigarros e fósforos avulso. Soube então que no país de Andersen tudo se compra, vende ou troca, nada se pede emprestado, muito menos para matar o vício do fumo. Outras visões.

Foi também na capital dinamarquesa que observei a elegância do Soldadinho de chumbo vestido a rigor no render diário da guarda à rainha e confirmei a solidão da Sereiazinha de bronze exilada numa rocha do porto da cidade a pousar entediada para as fotografias dos turistas. Foi na paisagem dinamarquesa que me apercebi dos charcos, pântanos e pauis do Patinho feio e pude imaginar um Abeto nativo ataviado com os enfeites coloridos recortados por Andersen em pessoa como decoração pessoal duma árvore de Natal. «Viajar é viver». Eis o lema que o arquiteto de contos infantis mais conhecido no mundo escolheu como seu. Outras histórias.   

2 comentários:

  1. Voltei a passear-me pelas ruas de Copenhaga, pelo porto dos mercadores, mas não reencontrei nenhuma vendedora de cigarros ou fósforos avulso. Pode ser que o hábito de manifestar a apetência pelo tabaco em público se tenha perdido, seguindo o exemplo da rainha que passou a fumar a sua dose diária de 60 unidades em privado.

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  2. Carla de Jesus Roque18 de abril de 2015 às 21:08

    Na minha terra também se vendia (não sei se ainda é vendido) tabaco avulso, normalmente por graúdos, pois era importante ter algum dinheiro para a cachupa à noite.

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