20 de maio de 2015

Uma história desenhada

Markus Zusak The Book
Durante essa semana, Max cortara uma série de páginas do Mein Kampf e pintara-as de branco. Depois pendurou-as com molas numa corda, de uma ponta à outra da cave. Depois de todas secas, começou a parte difícil. Ele tinha instrução para se safar, mas não era de maneira nenhuma um escritor, nem um artista. Apesar disso, formulou as palavras mentalmente até conseguir formulá-las sem erros. Só então, no papel que encurvara e formara bolhas sob a pressão da tinta seca, é que começou a escrever a história. Fê-lo com um pequeno pincel preto...

O HOMEM DEBRUÇADO

Toda a minha vida, tenho sentido medo de homens debruçados sobre mim.

Suponho que o meu primeiro homem debruçado sobre mim foi o meu pai, mas ele desapareceu antes de eu poder recordar-me dele. 

Fosse por que fosse, quando era garoto eu gostava de lutar. Grande parte das vezes, perdia. Outro garoto, às vezes com sangue a escorrer do nariz, estava então debruçado sobre mim.

Muitos anos depois, precisei de me esconder. Tentava não dormir porque tinha medo de quem poderia lá estar quando acordasse. Mas tive sorte. Era sempre o meu amigo.

Quando estava escondido, sonhava com um certo homem. O mais difícil foi quando viajei para ir ter com ele.

Com sorte e muitos passos, consegui chegar.

Dormi lá durante muito tempo. Três dias, disseram-me… e o que encontrei ao acordar? Não um homem, mas outra pessoa, debruçada sobre mim.

À medida que o tempo passava, a rapariga e eu percebemos que tínhamos coisas em comum. 

Mas uma coisa estranha. A rapariga diz que eu pareço outra coisa. 

Agora vivo numa cave. No meu sono ainda vivem sonhos maus. Uma noite, após o meu habitual pesadelo, uma sombra debruçou-se sobre mim. Ela disse: «Conta-me o que sonhas.» E eu assim fiz… 

Em troca, ela explicou de que eram feitos os seus próprios sonhos.

Agora acho que somos amigos, essa rapariga e eu. No dia dos meus anos, foi ela que me deu um presente a mim. O que me fez compreender que o melhor homem debruçado que já conheci não é de todo um homem…

Markus Zusak, A rapariga que roubava livros (2005 | 2008: 193-205)

1 comentário:

  1. Sombras debruçadas sobre nós que nos revelam muito sobre o que sonhamos ou desejamos apreender. Um livro que me atrai pelo significado histórico envolto em livros indispensaveis à sobrevivência da alma...

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