13 de junho de 2015

Sardinhas e velas de Santo António


FESTAS DE LISBOA
Alberto Faria - Santo António do fogareiro
«No fim de contas, talvez os arquiduques decidam dar uma volta pe-lo grande canal e sejam recebidos pelo doge, mas solimão, os cou-raceiros, todos e a restante equipagem ficarão em pádua, de cara para a basílica de santo antónio, que de lisboa é, reivindiquemo-lo, e não de pádua, num espaço livre de árvores e outras vegetações.»
José Saramago, A viagem do elefante (2008: 188)
Em tempos de crise, a inquietação instala-se e a emigração dispara. Vá-se lá saber se Fernando de Bulhões (Lisboa: 1191/1195 - Pádua: 1231), mais conhecido por Santo António, terá um dia rumado a outras paragens em busca de melhor vida. Por aí ganhou fama como teólogo, místico, asceta, taumaturgo e orador, o que levou Gregório IX a canonizá-lo em 1232 e Pio XII a conceder-lhe o título de Doctor Evangelicus da Igreja Católica em 1946.

Como santos de casa não fazem milagres por dá cá aquela palha, o Santo António de Lisboa passou a Santo António de Pádua. Nesta usurpação da hagiográfica, o mais famoso franciscano português não está só. Do mesmo se pode queixar João XXI, o papa, médico, filósofo, professor e matemático lusitano Pedro Hispano (1215-1277); tal como o humanista, arquiteto, escultor, desenhador e iluminador alfacinha Francisco de Holanda (1517-1585).

Entre o nascer e o morrer, o segundo termo do binómio leva sempre a melhor nos aniversários dos heróis partidos. Celebra-se o final do percurso e esquece-se o início da caminhada. A 13 de junho festeja-se em Lisboa o trespasse do santo em Pádua. A sardinha assada é rainha. Os casamentos na Sé e as marchas na Avenida unem o sagrado e o profano. O São João e o São Pedro entram na folia e o solstício do verão cumpre-se em nome dos santos populares.

Numas férias algarvias passadas em 82 com uns amigos bretões, resolvemos fazer uma visita a Lisboa. Calcorreámos as sete colinas e demos de cara com a igreja de Santo António. Entrei com a minha filha de três anos ao colo. Na presença de tanta vela acesa, bateu as palmas e cantou os parabéns, para espanto dos fiéis. Não seria caso para tanto, já que se celebrava nesse dia o nascimento do padroeiro do templo. Lá diziam os latinos: voz pueri, vox dei.

1 comentário:

  1. Interessante crónica sobre lusitanos ilustres em terra estrangeira em tempo de festas municipais, com um fecho que arranca um sorriso distendido sobre a menina precoce que aplaudiu a efeméride do nascimento em vez do falecimento...

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