22 de junho de 2015

Um agá a mais ou a menos

ΙΣΤΟΡΊΑ - HISTÓRIA
Nikolaos Gyzis
(1892)

Os gregos dispunham de muitas palavras para o relato de factos acontecidos ou imaginados: drama para o diálogo, mito para a fábula, diegese para a narrativa e história para exame, informação, pesquisa, estudo, ciência. A economia de meios exigida nestas circunstâncias levou-nos a concentrar todos os sentidos arrolados no vocábulo «história». Depois vieram os inovadores da língua e inventaram a variante «estória». Uma adaptação apressada e subserviente do inglês story. Um terceiro-mundismo linguístico que caiu no goto de alguns para estranheza dos demais.

Dizem os inventores de etimologias de conveniência ou da caro-chinha que «história» se referiria aos percursos de vida traçados por personalidades de carne e osso, com direito a ocuparem as páginas dos anais dum país; enquanto «estória» se aplicaria às imitações de vida protagonizadas por personagens de papel e tinta, com espaço reservado nos contos infantis de transmissão oral. A utilização ou não do Hh inicial serviria, assim, de traço distintivo entre si, solução inútil, pois a pronúncia diferenciada das duas palavras não depende em nada do seu registo escrito.

As minhas filhas desde muito cedo manifestaram uma apetência pela aprendizagem do nome das letras e pela sua associação lógica em sílabas e palavras. Os nomes grafados com caracteres agigantados nos edifícios urbanos sempre resultaram num enorme chamariz. Uma delas saiu-se-me uma vez com a cadeia sonora agagotel. Perante a minha perplexidade, apontou-me para o edifício do «Hotel» mesmo à nossa frente e o mistério desfez-se. É que no campo da sinestesia ortográfica do H (agá), aquilo que os olhos veem os ouvidos nem sempre escutam.

2 comentários:

  1. Que texto interessante!
    Com efeito, já tinha reparado para o súbito aparecimento, da grafia estória, em vez da habitual história.
    Acho que se trata de modismos e tentativas de inventar conversa...

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  2. Tanto «história» como «estória» têm o seu quê de particular. A primeira, porque se grafa com H, por influência latina, já que o grego usava esse grafema para outros fins; a segunda, porque ignora esse mesmo «H», inexistente na palavra inglesa. A etimologia e a fonologia, de facto, desempenham um papel muito incerto nesta questão das convenções ortográficas tomadas norma para uso de todos...

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