28 de julho de 2016

Joana Bouza Serrano, história da duquesa de Mântua que foi vice-rainha de Portugal

«A chegada da nova vice-rainha provocou diferentes reações. Por um lado, os versos compostos com intuito laudatório revelavam algumas expectativas perante a mudança de governo: "Também dizem traz poderes | para grandes e pequenos (...) todos lhe quererão muito | visto ser grã-senhora | e dirão benta a hora | que nasceu". Porém, outros versos, de caráter satírico, deixam transparecer que esta solução ficava aquém das aspirações de muitos portugueses: || "Portugal, Italiana Rainha sem o ser tens, | já não vales dous vinténs"»
Joana Bouza Serrano, A duquesa de Mântua. A princesa italiana que foi vice-rainha de Portugal (2016)
A História está na moda. Os romances e ensaios de contextuali-zação e divulgação histórica pululam por aí a um ritmo alucinante. É vê-los a crescer como cogumelos nos escaparates, expositores e estantes das livrarias do país. Os leitores ávidos de bisbilhotar as vidas alheias dos sangue-azul deste mundo deliram e pedem mais. Os dados públicos e privados referentes ao percurso existencial de Margarida de Saboia saem da penumbra dos arquivos e bibliotecas dos dois países peninsulares, são compilados e postos em crónica por Joana Bouza Serrano, que os edita com o título didascálico de A duquesa de Mântua. A princesa italiana que foi vice-rainha de Portugal (2016).

A época de férias é também propícia à diversificação de leituras. A literatura imposta pela rotina do dia a dia laboral é suspensa e a literatura de recriação entra em cena. As escritas mais exigentes do negócio cedem passo às escritas mais descontraídas do ócio. O apego ao rigor expositivo imposto pela deformação profissional nunca deixa de estar atenta ao menor deslize cometido pelos textos que me vão passando diante dos olhos, treinados que estão há muito para detetar eventuais desvios de forma e conteúdo. Manias pessoais que mais tarde ou mais cedo superarei. A preguiça é sacudida, a mandriice é enxotada e o repouso é posto em causa. Longe de mim ter a pretensão de questionar a consistência do trabalho que tenho entre mãos em forma de livro. Trata-se da abordagem biográfica duma figura pública polémica tanto no seu século como nos vindouros. Ainda hoje em dia é tida entre nós como uma autêntica lenda negra da dinastia filipina, aquela que nos terá roubado por sessenta anos a autonomia nacional (1580-1640), só comparável ao Cativeiro da Babilónia (598-538). A autora desta relação não cai nestes exageros analógicos, mas não deixa de cometer uma série de imprecisões discursivas que à força de serem repetidas acabam por ser tidas como verdadeiras.

Como mero apontamento, apetece destacar a figura soberana de Filipe IV de Espanha, assim registado em vez de IV de Castela e III de Portugal e de Aragão. A designação simplificada de Rei de Espanha terá de esperar por 1870 para ser inaugurada por Amadeu I, da Casa de Saboia. Desde Carlos I até então, os monarcas das Casas de Áustria e Bourbon ou usavam por extenso todos os reinos e coroas que estavam sob o seu domínio ou intitulavam-se simples-mente reis das Espanhas e das Índias. Uma simples minudência de pormenor entre algumas outras de idêntica importância. Frisar neste sentido que quando se fala de independência, esta se refere em exclusivo à separação da coroa portuguesa e da castelhana. Divórcio de dois cônjuges desavindos chamaram A. J. Saraiva e J. H. Elliott à extinção da Monarquia Dual, uma associação compósita de reinos e senhorios governada a título meramente pessoal pelos Habsburgo Hispânicos, a que se seguiu a Restauração da Monarquia Unitária Lusitana. Um negócio de cabeças coroadas aparentadas entre si e nada mais.

Margarida de Saboia, a duquesa-viúva de Mântua e de Monferrato, a vice-rainha de Portugal, neta do primeiro Filipe que reinou entre nós, sobrinha do segundo e prima do terceiro, ocupa a cena final desse drama familiar de partilha de países distintos como se de propriedades pessoais se tratasse. Os descendentes dos Avis-Beja e dos Borgonha-Trastâmara são destituídos da cadeira do poder exercida a partir de Madrid e substituídos por uma nova dinastia, fundada em Lisboa por D. João IV da Sereníssima Casa de Bragança e por D. Luísa de Gusmão da Casa Ducal de Medina-Sidónia. A cronista moderna desse período conturbado dos destinos peninsulares fá-lo com um discurso fluido, feito com uma linguagem desprovida de pretensiosismos retóricos pouco adequados num texto destinado a um público alargado. Recorre para isso a frases curtas e incisivas, com o predomínio do parágrafo-período de três-quatro linhas que raramente ultrapassa a meia dúzia, convidando os leitores menos habituados ao manejo de temáticas académicas complexas o que, em situações mais elaboradas, não fariam de ânimo leve. Balanço feito, recomenda-se a leitura do livro. Agradá-vel, amena, aprazível. Adequada para ser concretizada à beira-mar, à sombra dum pinheiro ou num local tranquilo afastado dos cenários de trabalho, espaços privilegiados onde o encontro com a história funcione em toda a sua plenitude e venha ao nosso encontro como se tivesse acabado de acontecer.

4 comentários:

  1. Apesar de me escaparem por norma esse tipo de erros cometidos nos ditos romances históricos, fico confusa perante essa prodigalidade de autores que se dedicam a este estilo. Por isso, Prof., agradeço as análises críticas dos mesmos para poder escolher mais acertadamente o autor e da leitura retirar um maior prazer.

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  2. Entao a casa de Bragança, nao é originaria de Habsburgo ?

    Então o João IV recebe Bragança por parte de quem ?


    Traga documentos em latim se faz favor

    Joao Felgar

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  3. A Casa de Bragança é oriunda de Afonso de Portugal, filho ilegítimo de D. João I fundador da Casa de Avis. D. João IV descende por parte materna da Casa de Haro, da Coroa de Castela, e paterna precisamente da Casa de Bragança.

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