10 de abril de 2017

As vozes sem rosto da rádio

Gérard Aubry

«Radioamateur dans sa station d'émission en 1989»


MORDIDELAS MATINAIS DA COMERCIAL


Disponho dum terminal rodoviário no outro lado da rua onde moro. Dali partem 9 circuitos para todos os pontos da cidade e 6 linhas para as periferias. Sucedem-se uns aos outros com um intervalo de 1/4 de hora. Utilizo-os quase todas as manhãs e deixo-os descansar ao final do dia. A menos que o tempo de chuva me aconselhe a regressar a casa num deles. Caso raro por estas paragens.

Há cerca de um bom par e meio de anos, quando a rede foi renova-da, todos os veículos estavam munidos dum sistema sonoro de indicação das paragens, útil para quem vem de fora e não conhece a cidade. Foi um luxo de curta duração, rapidamente substituído por emissões de rádio de gosto duvidoso, sem dar ao passageiro a me-nor possibilidade de mudar de canal ou desligar o aparelho.

Ao ouvir os programas selecionados pelos motoristas, recordo-me dos tempos gloriosos da infância em que a telefonia ainda batia aos pontos a televisão. Continuo a ver a minha avó a ouvir os folhetins radiofónicos e o meu avô a seguir os relatos de hóquei. Por vezes havia a emoção do futebol ao domingo, no tempo em que o Benfica ganhava campeonatos da Europa ou se classificava para a final.

A EN, o RCP, a RR e os EAL ofereceram-me de mão beijada as vo-zes sem rosto da rádio. Para a palavra cantada e falada. Para as notícias de todo o mundo. As boas e as más. A toda a hora do dia e da noite, consoante a disponibilidade do momento. Através dos re-cetores com fios ou a pilhas. Depois, gradualmente, os gostos mu-daram e os tempos livres viraram-se para outros horizontes.

A minha rádio hoje está sediada na NET. O palavreado radiofónico cansou-me. Sobretudo aquele que sou obrigado a ouvir no mini bus com free WiFi on-board sem ser perdido nem achado. Que bom seria se os up to date autocarros da Próximo deixassem em paz as histórias já gastas e esfarrapadas do tal homem que mordeu o cão e deixassem simplesmente fluir a música purificadora do silêncio.

3 comentários:

  1. Uma situação que entendo perfeitamente, pois também tenho levado muita surra de ruído com aspirações a música... Não consigo entender como, nos serviços públicos, tanto os condutores como os utentes se esquecem do respeito devido ao seu próximo! Continuação de boas caminhadas a pé, que é uma solução bem mais saudável e agradável!

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  2. Letícia Pilar Martins12 de abril de 2017 às 09:03

    Delicioso texto....
    Sou desse tempo...Sem saudosismos bacocos mas...sou...

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  3. A televisão entrou lá em casa muito cedo, porém iamos ouvindo alguma rádio. Hoje continuo a ouvir rádio, de manhâ cedo e às vezes no serviço. Gosto de notícias e de alguma música, oiço habitualmente a TSF. Durante
    o mês de agosto, gosto de ouvir a repetição de um programa cultural, que no resto do ano é semanalmente transmitido aos sábados. A rádio mantém o seu lugar, tal como o livro em papel.

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