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16 de julho de 2025

Pinceladas dispersas à borda-d'água

Praia, mar & dunas

O mar enrola n'areia...

Às 8:00h da manhã, não se vivalma na praia. O extenso areal a perder de vista só é visitado por bandos dispersos de gaivotas que qualquer ruído inesperado faz esvoaçar em todas as direções. Ao meu redor, descansam em espaços restritos as espreguiçadeiras e toldos de aluguer completamente vazios. Virado de costas para as dunas definidoras da linha de costa, dirijo o olhar para o movimento constante das vagas a marcarem as fases altas e baixas das marés com as fileiras de espuma branca da rebentação das vagas, a balizarem as fronteiras oscilantes da borda-d'água.

Pouco a pouco, os grupos de veraneantes começam a semear o território que consideram seu com chapéus-de-sol coloridos, toalhas de praia, cadeiras desdobráveis, para-ventos funcionais e mil e um objetos usuais à beira-mar. Uma fauna exótica, chamaria a minha amiga Aida a estes sedentos de novos territórios a conquistar. Amiga é uma força de expressão, que se aplica à falta de melhor a quem conhecemos medianamente, como é o caso, que apesar de nada e criada em Faro, se converteu ao linguajar afetado de Cascais quando se instalou de armas e bagagens em Algés.

O mar enrola na areia como dizia a canção, as crianças chapinham na água aquecida pelo sol, as horas fluem sem pressa num ambiente de canícula abrasadora. Efeitos evidentes do tal aquecimento global de que tanto se fala e tão pouco se faz. Os banhos, braçadas e mergulhos revigorantes sucedem-se sem pausas de permeio. Os vendedores de bolas-de-berlim passam e repassam em ambas as direções, barlavento-sotavento a um ritmo alucinante. De quando em quando regalo-me com uma recheada de creme pasteleiro. Aperitivo a antecipar uma refeição saudável e ligeira ao almoço.

Entre o meio-dia e o meio-da-tarde os invasores mais resistentes mudam-se para a água a afogar os raios ultravioletas que, mesmo ao abrigo da floresta de sombrinhas coloridas, teimam a grelhar quem lhes fizer frente. Do lanche para a frente, o acampamento dum dia de praia e mar começa a esvaziar-se muito lentamente. O vasto areal entre as dunas raianas e o vasto oceano ficam as marcas visíveis duma ocupação intensa de doze horas solares seguidas. Castelos de areia fugazmente erguidos que as marés noturnas reduzirão fatalmente aos miúdos grãos de que são feitos.

10 de julho de 2025

A cantar y a bailar por sevillanas

Tomàs - Sevillanas

Qué bonitas están las niñas cuando tienen veinte años
Cuando tienen veinte años | qué bonitas están las niñas
cuando tienen veinte años | qué bonitas están las niñas
cuando tienen veinte años | Cuando tienen veinte años
qué alegría en su mirada y en sus andares qué garbo
qué alegría en su mirada | y en sus andares qué garbo
Morenita de ojos negros 
rubita de ojos azules, trigueña pelo castaño 
qué bonitas están las niñas cuando tienen veinte años 
Amigos de Ginés, Niñas de veinte años (1972)

Aprendi a gostar das sevillanas com a minha amiga Sónia. Amiga será um termo exagerado, quando centrada em alguém que tinha vergonha de me olhar ou falar. É que nessas idades ditas dos -teen, a diferença de seis anos mais corresponde a uma eternidade. Estou a vê-la à distância de muitas décadas a passar a ferro a roupa da família e a ouvir e a cantar uma seguidilla sevillana gravada numa cassete áudio de fita magnética. O ferro a vapor que manejava com vigor era uma novidade absoluta para mim. O leitor de cintas então em voga é, agora, um arcaísmo há muito caído em desuso.

Ainda tentei aprender a cantar e a bailar por sevillanas com a M. Esther, a irmã mais velha dos meus amigos extremeños, essa com uma idade bem mais próxima da minha. Mesmo assim, não se inibiu de me encarar e dizer sem tibieza no olhar e timidez no falar, que me faltava requiebro al canto y salero al bailar. Escusado será dizer que nem me atrevi a rascar una guitarra ou atirar-me com afinco ao repique de palillos. Fiquei-me pelo palmateo a marcar o rítmo da melodia e deixei de parte a arte da precursão acertada das castañuelas, na presença de entendidos ou tidos como tal.

A minha atração melódica pelas sevillanas não esmoreceu com o desaire obtido in illo tempore ao tentar cantá-las e bailá-las. Muito pelo contrário. Aquelas Niñas de veinte años, interpretadas pelos Amigos de Ginés e ouvidas à exaustão ficaram-me nos ouvidos. Até hoje. Esqueci-me de quase todas as rimas que lhe dão corpo, mas a melodia que as acompanhavam resistiu na sua totalidade ao tempo. Trauteio-as sem a presença de testemunhas indiscretas. E nem estou a falar das duas nenas minhas amigas de adolescências pretéritas há muito afastadas do meu horizonte de contactos. ¡Y olé!

4 de julho de 2025

Memórias distantes de dejejuns infantis

«Com papas e bolos se enganam meninos e tolos.»

No arquivo das minhas memórias de menino e moço, lembro-me muito bem dos pequenos-almoços de farinha torrada preparados pela minha avó, mas absolutamente nada de alguma vez ter tido aos dejejuns um prato de corn flakes. Não é que na altura não existissem já esses flocos de milho, mas não entravam de certeza na mesas de toda a gente como primeira refeição do dia, sobretudo numa época em que a televisão começava a dar os primeiros passos entre nós, privando-nos assim da publicidade dos produtos importados transmitida do nascer ao pôr do sol.

Em meados do século passado, a Rádio continuava a ser a rainha da comunicação à distância. Os slogans repetidos a cada instante ficavam logo no ouvido de quem os ouvia. O «É trigo limpo, farinha Amparo» e o «Saiu-te na farinha Amparo» garantia-nos ser fácil e rápida de fazer, bastando para tal juntar um pouco de leite, mel e uma casca de limão a gosto. A Farinha Predileta criou com a popular «É para a avó e para a neta e também para o atleta», a que a Farinha 33 terá replicado também à sua maneira, mas que o tempo apagou de vez do meu registo mental.

Com o advento das pequenas, médias e grandes superfícies de livre-serviço, as papas matinais mais sofisticadas ganharam um lugar de destaque nas prateleiras desses novos hiper-e-supermercados multinacionais que pululam um pouco por todo o lado. O preto e branco mais ou menos cinzento rendeu-se ao colorido apelativo das embalagens da Nestlé, Kellogs & afins. Rendi-me por um período um tanto ou quanto longo às variedades oferecidas pela Nestum de cereais integrais, frutos secos e mel. Depois fartei-me, porque o sabor demasiado adocicado nunca me cativou.

Uma dieta rigorosa surta de supetão levou-me a mudar drasticamente de regime alimentar a todas os repastos. Durante uma temporada, rendi-me ao sabor peculiar da Maizena, logo substituído pelo cunho bem mais exótico da tapioca. Os sabores há muito esquecidos da infância voltaram a visitar-me logo pela manhã, repetidos por vezes a meio da tarde, por fim saídos de cena para dar lugar aos flocos de aveia. Partilho-os amiúde com o meu neto, que, tal como lá dizia o slogan da farinha acima referida, passou a ser o nosso dejejum ou pequeno-almoço predileto. Também rima e bate certo.