26 de fevereiro de 2018

As pelejas cíclicas de deuses e heróis

O VOO DA PAZ

Cerimónia de Abertura

XXIII Olimpíadas de Inverno
XXIII 동계 올림픽     2018 평창

A história dos Jogos Olímpicos é antiga e já a contei aqui uma vez. Foi há dois anos por altura das XXXI Olimpíadas de Verão. O Rio de Janeiro 2016 já lá vai e Pyeongchang 2018 já lhe seguiu o caminho. As XXIII Olimpíadas de Inverno também já fazem parte das coisas feitas e terminadas. Em paz, como exigiam as provas pan-helénicas da Era Antiga que a Era Moderna lá tem tentado imitar à sua maneira muito peculiar.

Tal como nos festivais religiosos e atléticos realizados no santuário de Olímpia em honra de Zeus, o evento multidesportivo global ora findo também se desenrolou num ambiente de paz relativa. A trégua sagrada que impedia qualquer tipo de beligerância durante as competições foi cumprida por todos com algum fair play. A Coreia do Norte e a Coreia do Sul até desfilaram juntas sob a égide duma bandeira unificada azul e branca.

A infanta caçula da Dinastia Kim desceu o Paralelo 38 N, integrou-se nas solenidades lúdicas e convidou o anfitrião-presidente do Sul a visitar o supremo líder do Norte. Falta saber se os delegados papais do Vaticano, estreantes neste tipo de eventos, exerceram alguma influência espiritual no Voo da Paz luminoso proposto na cerimónia de abertura. O tempo o dirá. Se possível antes que a tocha olímpica se volte a acender em 2020 na Élida.

21 de fevereiro de 2018

Histórias da carochinha de reis e rainhas

 H. C. Andersens papirklip

Sørøver med grøn jakke. Juletræspynt

[H.C. ANDERSEN MUSEUM]

   COM SORTE OU SEM SORTE  DOS CONSORTES   


Etimologicamente falando, «rei» é aquele que «rege», do latim rĕgĕre > rēge, aquele que dirige, que  conduz, que governa, que exerce o poder soberano. Visto por este prisma, após a vitória das revoluções liberais e o advento das monarquias constitucionais, os chefes de estado coroados transformaram-se num anacronismo político que a inércia dos povos tem preservado sem saber muito bem porquê. Talvez porque pensem que a subida ao trono se tenha feito pela Graça de Deus quando de facto se continua a perpetuar pela mera e eficiente graça da genética.    

Henri Marie Jean André de Laborde de Monpezat, aspirante ao título de Conde da extinta Monarquia Francesa, conseguiu o de Príncipe ao casar-se com a futura Rainha da Dinamarca. O desejo de obter o título de Rei Consorte nunca se concretizou. De nada lhe valeu trocar de nacionalidade, render-se ao luteralismo ou ter dado dois herdeiros varões à Casa Real de Schleswig-Holstein-Sonderburg-Glücksburg. Sua Alteza Real o Príncipe Henrik teve de se contentar com uma coroa fechada de três arcos e deixar a Sua Majestade a Rainha Margarida II a de cinco. Noblesse oblige.

Neste capítulo da titularia das caras-metades reais a igualdade de género ainda não assentou arraiais. Tem faltado às testas coroadas atuais o bom senso da Rainha D. Maria I de converter o consorte no Rei D. Pedro III, com quem partilhou o poder ainda absoluto. O mesmo fez a Rainha D. Maria II, ao transformar o pai dos herdeiros da Coroa de Portugal no Rei D. Fernando II, muito embora a Carta Constitucional tenha limitado a governação conjunta dos dois. Histórias da carochinha com reis e rainhas de antanho que continuam a ser contadas com sucesso nos nossos dias.

14 de fevereiro de 2018

O casamento dos reis de boa memória

Casamento de D. João I e de D. Filipa Lencastre
[Jean Wavrin, Chronique de France et d' Angleterre (séc. xv)]


    CASAMENTOS, ALIANÇAS & TRATADOS    


Passados mais de cem anos sobre a queda da monarquia, a vox populi continua a afirmar de modo convicto que De Espanha nem bom vento nem bom casamento, como se em regime republicano a cara-metade do chefe de estado, homem ou mulher, tivesse alguma importância para o destino político dum país que esteja assente na eleição democrática e universal do supremo magistrado da nação. O mesmo se poderia dizer doutros enlaces reais se o rigor histórico para aí estivesse voltado e lhe apetecesse de facto ripostar.

Refira-se o escândalo do divórcio de Maria Francisca de Saboia de D. Afonso VI e subsequente casamento com o cunhado D. Pedro II, tornando-se a prima de Luís XIV de França e Navarra duas vezes rainha consorte de Portugal e Algarves. Com repercussões algo distintas, estará a união de Catarina de Bragança com Carlos II de Inglaterra, Escócia e Irlanda, que, para além de ter levado consigo para Londres uns saquitos de chá ainda se fez acompanhar das praças de Bombaim na Índia e de Tânger em Marrocos.

Celebra-se nestas datas o aniversário da união de D. João I com D. Filipa de Lencastre, com que se inicia a Dinastia de Avis e confirma o Tratado de Windsor, assinado a 9 de maio de 1386. Os futuros pais da Ínclita Geração de Infantes casaram-se em 1387 no Porto, tendo a solenidade civil decorrido a 2 de fevereiro no paço episcopal e a religiosa a 14 na Sé. Uma aliança estratégica das coroas reais de Portugal e de Inglaterra bem-sucedida, que levou a posteridade a designar sem rebuço os cônjuges de Reis da Boa-Memória. 

7 de fevereiro de 2018

Chá com Tê ou sem Tê...

Etimologias com Vista Alegre


CAMELLIA SINENSIS
plantacomestível árvore

É bem conhecida a história do five o'clock tea introduzido na corte inglesa pela infanta portuguesa Catarina de Bragança, quando se tornou a rainha de Sua Majestade Graciosa Carlos II Stuart. Já a contei aqui e aqui uma e outra vez. Só faltaria esclarecer como a camellia sinensis, conhecida entre nós por chá, se converteu no além-Mancha em tea. Mistério linguístico ou talvez não.

Conta uma versão mais apressada tratar-se duma leitura bastante evidente do sinograma chinês {茶}, onde o grafema latino {t} estaria de modo aparente inserido numa casa com telhado, chaminés e alpendres bem visíveis. Fantasia alimentada pela nossa ignorância quase absoluta da realidade cultural chinesa e de certo modo também da britânica. Chinesices exóticas no horizonte.

Afinal tudo se deve à realização fonética divergente dum mesmo logograma, que em cantonês e mandarim se pronuncia «chá» e em malaio «tê». O primeiro vocábulo terá sido ouvido pelos portugueses no Japão e o segundo pelos ingleses no sul da China, que assim o difundiram na parte oeste do continente europeu. Histórias antigas que a moderna filologia comparada tem ajudado a clarificar.