29 de janeiro de 2019

As novas obras de Santa Engrácia

   PLACA PARA QUENTES EM FAIANÇA   
 Pormenor do pavimento em mármore da Igreja de Santa Engrácia
[Panteão Nacional - Lisboa]

          Devagar se vai ao longe...       

Os meios de comunicação social têm vindo a anunciar que entre 2018 e 2020 decorrerá o remate da ala poente do Palácio Nacional da Ajuda. Ficará assim concluída uma obra iniciada em 1796, na sequência do incêndio que lavrara na Real Barraca ou Paço de Madeira, residência oficial dos reis portugueses após o terramoto de 1755 ter destruído por completo o antigo Paço da Ribeira. As Invasões Francesas de 1807-1810 deitaram irremediavelmente por terra o projeto megalómano acalentado pelos Bragança de erigirem em Lisboa o mais sumptuoso palácio que a Europa e o mundo até então vira. Os trabalhos são interrompidos abruptamente com a ida da corte para o Brasil e só serão retomados com caráter definitivo nos nossos dias, 222 anos após o lançamento da primeira pedra.

Mais demorada foi a construção do atual Panteão Nacional que teve de esperar 398 longos anos para se ver com o aspeto que hoje ostenta. O primeiro edifício de traça barroca levantado entre nós foi também o último a seguir este estilo arquitetónico. Fundado em 1568 no Campo de Santa Clara em Lisboa, a expensas da Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I, o templo só foi terminado em 1966, quando se viu coroado com a cúpula há muito esperada. As muitas vicissitudes que acompanharam o seu crescimento como espaço de oração católica e memorial dos heróis nacionais, bem como as lendas que lhe estão associados, deram origem à expressão que o imaginário popular alimentou de Obras de Santa Engrácia.

Descartadas desta categoria estarão as Capelas Imperfeitas do Mos-teiro de Santa Maria da Vitória ou da Batalha. Passados 585 anos sobre o início do seu fabrico, é pouco provável que a sua conclusão venha alguma vez a ocorrer. Fala-se agora nas Novas Obras de Santa Engrácia. Hipérbole exagerada se nos referimos à barragem do Alqueva, projetada e executada em apenas 45 anos. À sua frente já vão os planos de ampliação do aeroporto da Portela. Após meio século de estudos, ainda não se passou do papel à ação. Alverca, Ota, Alcochete, Rio Frio, Montijo. A história atribulada está longe de ter um final feliz. Entretanto deixemos as aves voar em liberdade no estuário do Tejo, santuário natural às portas de Lisboa.

24 de janeiro de 2019

Roberto Bolaño: os poetas de ferro e a pista de gelo

«La tranquilicé explicándole que el mexicano era un poeta y la recepcionista contestó que su novio, el peruano, también lo era y no se comportaba así. Como un zombi. No quise contradecirla. Menos aún cuando dijo, mirándome las uñas, que la poesía no daba nada. Tenía razón, en él planeta de los eunucos felices y los zombis, la poesía no daba nada.»
Roberto Bolaño, La pista de hielo (1993)
Roberto Bolaño tornou-se nos tempos conturbados em que vivemos num dos escritores de culto com mais adeptos em todos os quadran-tes geográficos aonde os seus livros já chegaram. O sucesso deste autor de referência obrigatória e presença imperiosa em todas as bibliotecas públicas e privadas tem sido feita tanto a partir da versão original castelhana com ressaibos chileno-mexicanos, como das tra-duzidas para um número crescente de línguas. Situação a todos os títulos invulgar, dado aplicar-se a um criador que teve de morrer para se tornar célebre à escala global, sem para esse efeito ter entrado no clube restrito dos fabricantes encartados de fantasias gratuitas, dos vendedores de sonhos baratos convertidos em bestsellers de leitura superficial e inócua, expressamente feita para consumir e deitar fora. 

Encetei o regresso inevitável à magia do inventor do infrarrealismo literário através d’A pista de gelo (1993), a primeira obra em prosa que deu à estampa com a forma de romance e um dos derradeiros títulos a ser divulgado entre nós. O prazer do reencontro foi imediato. Mais uma vez o fascínio repetiu-se. A vontade firme de novos encontros saiu reforçada. Assim o baú do efabulador continue a abrir-se e a revelar-nos postumamente os textos que razões desconhecidas mantiveram inéditos até à presente data. Assim o fundo dessa arca de tesouros escondidos atinja uma dimensão abissal, para que os nossos convívios com o universo imagético da escrita aconteçam e os diálogos com o seu arquiteto se refaçam ciclicamente. 

Os temas, assuntos e motivos desta obra inaugural serão retomados exaustivamente na produção novelesca editada em datas poste-riores. Contudo, a hipotética suspeita de iteração abusiva não se instala no horizonte de receção dos leitores. Tudo se passa à boa maneira barroca da arte da fuga, em que o caráter contrapontista, polifónico e imitativo das melodias em confronto se associam para criar a sensação de unidade e diversidade da própria existência humana, ancorada na perseguição e evasão duma ideia central e plasmada indiferentemente numa pauta de música ou numa página de livro. As harmonias alcançadas são o produto catalisador da própria variação. Por outras palavras, todas as histórias estão dentro doutras histórias, as pretéritas e as vindouras, num contínuo narrativo de fragmentos soltos unidos pela mestria da composição.

Exige o senso comum regulador das boas práticas da resenha literária que a partilha das leituras feitas nunca revele o mistério das leituras projetadas. O desvendar de enigmas é um processo estético que só funciona em toda a sua plenitude mágica se for efetuado em primeiríssima mão. O argumento possível desta pista de gelo encontra-se registado na contracapa do exemplar visitado. Refere tratar-se de três versões distintas dum mesmo crime perpetrado numa localidade anónima da costa espanhola. Avança com outros pormenores que um pudor pessoal me impede precisar. Quem quiser saber mais dos enredos equacionados pela narrativa que se fique pela capa ou viaje pelo interior do livro. Hipótese que defendo vivamente. A experiência da descoberta vale o esforço. 

Os fragmentos de vida vivida pelos poetas de ferro que dão corpo à fábula espelham, em grande medida, o percurso de vida vivida pelo poeta-narrador que os retratou, em episódios feitos e refeitos ao sa-bor da pena que os traçou. O autor e as personagens confundem-se entre si, visto fazerem parte duma mesma verdade, a real e a ima-ginada. Andarilhos, marginais, exilados, boémios, famintos. Pícaros desajustados nesta era de pós-modernidade consumada no res-caldo de guerras frias travadas dos dois lados do muro da vergonha também apelidado cortina de ferro. Protagonismos indesejados de acontecimentos recentes convocados à colação do leitor para memória futura. Razão tem Roberto Bolaño para defender, através do testemunho oportuno duma personagem, que se o perdido está perdido, o melhor mesmo é olhar em frente. A frase com que A pista de gelo termina tem um outro alinhamento de palavras. A ideia que a enforma permanece todavia inalterada, com toda a força premonitória de aviso ou prevenção que o nosso engenho e arte lhe consiga outorgar…

NOTA
Trazido do Pátio de Letras para este recanto de histórias, porque nunca é de mais ler/reler Roberto Bolaño.

21 de janeiro de 2019

Circos de feira, de Natal e de todo o ano

              PABLO  PICASSO               

Cirque forain (1922)

[Paris: Musée national Picasso]
PALHAÇOS - CAVALOS - MÚSICA
Na minha meninice, o circo descia à cidade por altura da feira de agosto. Esta realizava-se anualmente nas vastas alamedas, prados e clareiras da Mata Real, anexa ao Hospital Termal. Era aí que a grande tenda circular do maior espetáculo do mundo assentava arraiais. Diz-me uma memória fragmentária que por vezes a grande aldeia cisterciense se erguia na amplitude dos espaços ainda vazios da antiga quinta do Borlão. E a festa durava vários dias. Talvez uma semana. Quiçá um pouco mais.

De todas as troupes que incluíam na tournée as Caldas da Rainha, recordo com alguma precisão o fascínio exercido pela parada inicial de rua do Circo Arriola Paramés. Elefantes, cavalos, malabaristas, faz-tudos, porta-bandeiras, músicos e muitas plumas e lantejoulas. Os slogans para soirées e matinées choviam em catadupa junto às bilheteiras de acesso à arena mágica do enorme recinto colorido. É entrar, é entrar, meninos e meninas, senhoras e cavalheiros. A sessão vai começar, no domingo grátis às damas.

décadas que o imenso redondel iluminado saiu do meu universo de referências. O Vasquito & Anhuca ou o Kinito ainda moram no meu imaginário infantil. Tê-los-ei visto num dos circos das famílias Muñoz, Cardinalli ou Mariano. Excluo o Billy Smart's Circus, que só se via a preto e branco nos ecrãs da RTP, por altura do Natal ou Ano Novo. Os palhaços pobres e ricos far-nos-ão agora rir doutro modo. Qualquer dia tiro-me de cuidados e vou reviver as emoções da minha meninice para contar como foi. A ideia fica no ar e bem de pé...

15 de janeiro de 2019

I think I'm trapped in a novel...

« Il y a des interprètes partout. Chacun parle sa langue même s'il connaît un peu la langue de l'autre. Les ruses de l'interprète ont un champ très ouvert et il n'oublie pas ses intérêts. »
DERRIDA

La vie n'est pas un roman...

    À Bologne, il couche avec Bianca dans un amphithéâtre du XVIIe et il échappe à un attentat à la bombe. Ici, il manque de se faire poignar-der dans une bibliothèque de nuit par un philosophe du langage et il assiste à une scène de levrette plus ou moins mythologique sur une photocopieuse. Il a rencontré Giscard à l'Élysée, a croisé Foucault dans un sauna gay, a participé à une poursuite en voiture à l'issue de laquelle il été victime d'une tentative d'assassinat, a vu un homme en tuer un autre avec un parapluie empoisonné, a découvert une société secrète on coupe les doigts des perdants, a traversé l'Atlantique pour récupérer un mystérieux document. Il a vécu en quelques mois plus d'événements extraordinaires qu'il aurait pensé en vivre durant toute son existence. Simon sait reconnaître du romanesque quand il en rencontre. Il repense aux surnuméraires d'Umberto Eco. Il tire sur le joint.
    « What’s up, man ? »
   Simon fait tourner le joint. Défile dans sa tête sans qu’il puisse l’arrêter. Défile dans sa tête sans qu’il puisse l’arrêter le film des der-niers mois et, comme c’est son métier, il en dégage les structures narratives, les adjuvants, les opposants, la portée allégorique. Une scène de cul (acteur), un attentat (bombe) à Bologne. Un attentat (coupe-papier), une scène de cul (spectateur) à Cornell. (Chiasme.) Une poursuite en bagnole. Une réécriture du duel final d’Hamlet. Le motif récurrent de la bibliothèque (mais pourquoi pense-t-il à Beau-bourg ?). Les couples de personnages : les deux Bulgares, les deux Japonais, Sollers et Kristeva, Searle et Derrida, Anastasia et Bian-ca… Et surtout, les invraisemblances : pourquoi le troisième Bulgare a-t-il attendu qu’ils comprennent qu’une copie du manuscrit était restée chez Barthes pour aller fouiller l’appartement ? Comment Anastasia, si c’est un agent russe, est-elle parvenue à se faire affec-ter, aussi rapidement, dans l'aile de l'hôpital où était Barthes ? Pour quelle raison Giscard n’a-t-il pas fait arrêter Kristeva pour la confier à l’une de ses officines qui l’aurait torturée jusqu’à ce qu’elle parle, plutôt que de les envoyer aux USA, Bayard et lui, pour la surveiller ? Comment se fait-il que le document était en français et pas un russe ou un anglais ? Qui la traduit ? 
   Simon se prend la tête entre les mains en poussant un gémisse-ment.
    « Je crois que je suis coincé dans un putain de roman.
    − What ?
    − I think I'm trapped in a novel. »
    L’étudiant à qui il s’adressese renverse en arrière, souffle vers le ciel la fumée de sa cigarrettte, regarde les étoiles filer dans l’éther, boit une gorgée de bière au goulot, s’appuie sur un coude, laisse planer un long silence sur la nuit américaine et dit : « Sounds cool, man. Enjoy the trip. »

Laurent Binet, La septième fonction du langage (Paris: Grasset, 2016, 7, 9 & 347-348)

11 de janeiro de 2019

Novas eras de ver as cores do arco-íris

Yoel Tordjman
colors wall.spring time
PALETAS
A nova ministra brasileira da Mulher, Família e Direitos Humanos afirmou ex cathedra evangélica e aquando da sua tomada de posse que menino veste azul e menina veste rosa. Na sua opinião, essa paleta cromática iniciaria uma nova era no Brasil. Nem merece a pena considerar a declaração da nova moda tropical como uma fake new, trote ou barrete mediático, porque foi registada em vídeo e posta a circular no Twitter, Facebook e demais redes sociais. Dá vontade de perguntar qual o verdadeiro significado nos dias de hoje do adjetivo «novo», se uma raridade inventiva do jamais vu ou duma relíquia sexista do déjà vu.

Caetano Veloso já se vestiu de rosa e eu lembrei-me do dia em que comprei uma camisa com riscas dessa cor, simplesmente porque gostei do efeito produzido pelo todo, sem me aperceber muito bem das piadas que mais tarde despertaria. O daltonismo foi então capaz de explicar esse meu deslize estético plasmado na subversão dos cânones vigentes na época. O episódio ocorreu na pretérita década de 80. As mentalidades estavam ainda muito presas a preconceitos de género que o fluir constante do tempo tem vindo a mitigar. Assim se mantenha sem recaídas de percurso como as ocorridas em Terras de Vera Cruz.

Falam-nos os faits-divers da descoberta duns óculos miraculosos capazes de suprimir as anomalias genéticas de visão que interferem na refração da luz e no acesso a toda a paleta revelada no arco-íris. Um dia destes ainda os vou testar. Talvez assim deixe de desirmanar os sapatos pela manhã, de estacionar sem dificuldade nos parques avessos a outro tipo de localização, de rever a Alice no País das Maravilhas em 3D sem a camuflagem das legendas no colorido dos cenários. Assim esta cura do daltonismo clínico se sentisse também eficazmente na cura da miopia política recente que por aí grassa a ritmo galopante.

7 de janeiro de 2019

Lídia Jorge, uma casa, um rio e um estuário feito lago de muitas cidades

«Deixá-los rir. Mesmo rindo, eles não vão esquecer. Tem razão, meu pai. Temos a mesa, a casa, a cidade pacífica, temos o rio, temos o futuro à nossa frente, e temos os nossos filho saudáveis. E pensar que há quem não tenha coisa nenhuma.»
Lídia Jorge, Estuário (2018)
Um estuário é a parte dum rio, próximo à foz, local de confluência de águas doces e salgadas. No caso do Tejo, a formar uma ampla bacia fluvial conhecida popularmente por Mar da Palha. A sua ubicação privilegiada foi sempre um chamariz a visitantes doutros quadrantes geográficos. Tem vindo a funcionar como um ponto de encontro das gentes do norte e do sul, do litoral e do interior; como um cruzamento das rotas marítimas das três massas continentais da Europa, África e América; como um porto de abrigo do Atlântico, antecâmara de conexão do Mediterrâneo com todo o mundo. Nas suas margens a perder de vista surgiram cidades ligadas por pontes, ergueram-se edifícios para alojar as pessoas ali estabelecidas e oriundas das mais recônditas paragens. Lisboa, no cimo das suas múltiplas colinas, rege a grande metrópole ribeirinha que cresceu em seu redor. É neste local singular que surge o mais recente romance de Lídia Jorge, intitulado, precisamente, Estuário (2018).

No décimo segundo título composto na forma maior da ficção, a sua obreira regressa a um cenário discursivo que lhe é muito querido, o espaço plural habitado por uma comunidade específica a oscilar entre o tecido rural duma pequena aldeia e o urbano duma grande cidade, com ação dramática centrada numa pensão, num hotel ou numa casa. Os núcleos de atores reunidos, por força do acaso ou dos laços de sangue que os unem, procedem à passagem metafórica do microcosmo que representam no macrocosmo restrito do país que os alberga ou global do mundo que os circunda e confina. É o que se passa na grande mansão dos Galeano, vasto casarão alfacinha de cinco andares do largo do Corpo SantoOs conflitos individuais dos seus locatários dão corpo aos contenciosos coletivos de todos eles, as vozes masculinas alternam com as femininas, as memórias das gerações mais antigas embatem com as mais jovens, numa tentativa inglória de delinear pistas comuns que se prolonguem a contento de todos num horizonte de sucessos vindouros.

O complexo retábulo de relatos pessoais inicia-se com os holofotes focados no filho mais novo dum importante armador de navios e pater familias duma dinastia familiar distribuída por cinco gerações. Edmundo regressara ao país com menos três dedos e um terço da palma da mão direita decepada. O acidente ocorrera em Dadaab, um dos campos de refugiados estabelecidos no Quénia, onde cumprira uma missão de paz. Os dramas ali presenciados levaram-no a conceber um plano messiânico de salvação da humanidade, de fazer renascer o velho mito do amor, de iniciar uma nova fase da vida e do mundo. Decide escrever um livro de transição que pudesse cumprir a passagem do passado para o futuro, entendido como uma refundação do Génesis bíblico e uma continuação da Ilíada homérica. A inspiração foi bebida na Ode marítima de Álvaro de Campos, que recitou e copiou dez vezes, como forma de adestrar a pena e aguçar a verve, cuja progressão vai sendo reportada ao longo do corpo narrativo até que o último ponto final os resultados há muito percecionados pelos leitores.

A fantasia, quimera ou sonho utópico de reorganizar o mundo de modo superior e perfeito, de devolver à esfera imunda em que a terra se convertera o aspeto de esfera de fogo azul que já detivera, espalha-se depois a todo os atores em cena. A ideia acalentada pelo patriarca de enviar água da chuva aos países produtores de petróleo falhara em todas as linhas. Com ela gorara-se também o projeto de converter os petroleiros Horizonte e o Batalha em aguadeiros. De pouco valeram os esforços dos restantes membros do clã para evitar a catástrofe anunciada. O regresso às origens de todos eles à casa paterna suscitou um recomeço obrigatório. A criação duma nova geração de seres destinados a dar um novo sentido à vida e esperança de dias melhores. O grosso volume de muitas páginas idealizado pelo mutilado no inferno africano dos deserdados da fortuna ganha novas tonalidades. A versão definitiva da parábola sobre o futuro dos livros e da literatura é anunciada no derradeiro parágrafo do texto. A ficção revelada na obra impressa cede passo à ficção idealizada pelo protagonista-narrador que tem o mundo inscrito no próprio nome. Real e imaginário que convivem potencialmente dentro de nós, assim lhe queiramos dar as mãos e partir à sua descoberta por aí fora.

4 de janeiro de 2019

Churros de inverno e de todo o ano

Plaza Mayor de Salamanca

Tessa Domene Moris

Chocolate con churros en la Plaza Mayor de Salamanca...

Em meados da década de 70, passei parte do Natal, a noite de São Silvestre e o dia de Reis em Espanha, entre Badajoz e Burgos, com paragens em Cáceres, Plasencia, Valladolid e Salamanca. Fi-lo na companhia de amigos da Extremadura com familiares espalhados por Castela e Leão. Em Baños de Montemayor, ouvi o cura local proferir o sermão mais incendiário de toda a minha vida sobre as penas do inferno. Ao atravessar a serra de Béjar, coberta de gelo e neve brancas a contrastar com o cinzento do céu, o Luis Aguilé cantava Es el sol español, es el sol español, uma brincadeira estival radiodifundida num trajeto invernal.

As minúcias da natividade local dariam para várias histórias. Deixo-as no tinteiro virtual da escrita internética. Viro-me para os mosteiros e conventos vistos num dia na mais antiga cidade universitária da Hispânia. Tantos quantos os arcos da ponte romana que celebrizaram o protagonista do Lazarillo de Tormes. À noite, a temperatura desceu para os -12º C. Os pés deram sinal de si em forma de câimbra. O chão chamou por mim. Valeu-me um chocolate bem quente com churros feitos na hora. A Cafetaría Las Torres da Plaza Mayor de Salamanca salvou-me in extremis da catástrofe. Remédio santo de inverno e de todo o ano. Esquisitice não mora aqui.