24 de agosto de 2020

Henry VIII, the Knight of the Loyal Heart

THOMAS WRIOTHESLEY
Henry VIII jousting in front of Catherine of Aragon in 1511

    Le Chevalier du Cœur Loyal    

«Não descobrirás a nudez da mulher do teu irmão: é a nudez do teu próprio irmão [...] Se um homem tomar a mulher do irmão, isso é uma impureza; porque descobriu a nudez do seu irmão, morrerão sem filhos.»
LEVÍTICO: 18, 16; 20, 21
Henrique VIII (1491-1547) gostava de colecionar de tudo um pouco: títulos, estilos, emblemas, brasões, divisas, amantes e mulheres, as suas e as alheias, católicas e luteranas, anglicanas e protestantes, casadas e solteiras. Só não conseguiu ter uma ranchada de filhos varões como desejava mas bem ensaiou. Sobreviveu-lhe um mas foi sol de pouca dura. A Eduardo VI, sucederam-lhe uma prima e duas filhas: Jane Grey, a Rainha dos Nove Dias; Maria I, a Sanguinária; e Isabel I, a Gloriana. Ironias dum destino indesejado com contornos trágicos ou dramáticos ou simplesmente tragicómicos.

Henrique Oitavo, pela Graça de Deus, Rei da Inglaterra, França e Ir-landa, Defensor da e Chefe Supremo na Terra das Igrejas da In-glaterra e Irlanda casou-se seis vezes mas só enviuvou legalmente uma. Anulou quatro casamentos e não sobreviveu à última. Para tal recorreu a uma separação litigiosa por questões religiosas e outra de mútuo acordo por antipatia sensual recíproca, mandou degolar duas delas na Torre de Londres por aludidos atos de traição, adultério e incesto, mas já não teve tempo de eliminar a última por uma qualquer desculpa esfarrapada arranjada à última hora.

O Oitavo Henrique de nome na lista de monarcas britânicos usou como insígnias pessoais, desde os seus tempos de mero Duque de Iorque e de Príncipe de Gales, as três Flores-de-Lis gaulesas e os três Leopardos Normandos. Depois, foi-lhe acrescentando outros atributos reais à medida que foi assumindo as rédeas do poder: a Rosa e a Portcullis Coroadas dos Tudor, usadas desde o tempo do fundador da dinastia, ladeadas pelo Galgo de Richmond e o Dragão Vermelho de Cadwaladr, símbolos heráldicos clássicos da honra e legitimidade da casa reinante e da tradição lendária arturiana.

Henry VIII, the king, para além dos obrigatórios Dieu et mon Droit e do Honi soit qui mal y pense, motes retirados das ordens do Tosão de Ouro e da Jarreteira, e do Altera Securitas associado às grades da Porta Levadiça dos Beaufort, adotou ainda um emblema bordado a ouro nas roupas de aparato e armas de lide que levava para as justas de cavalaria, subordinado ao lema Cœur Loyal (= Coração Leal), o que dado o seu historial matrimonial não deixa de ser irónico, embora se diga que esta divisa se dedicasse em exclusivo a Catarina de Aragão, com quem viveu quase um quarto de século.

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Os escrúpulos sentidos de Henrique VIII por ter casado com a viúva do irmão Artur de Gales, não se manifestaram um só momento ao casar-se com Ana Bolena, depois de ter descoberto a nudez da irmã Maria Bolena. É que os preceitos do Levítico se aplicavam de modo estrito aos homens. Mais tolerante terá sido Dom Pedro II, ao desposar Dona Maria Francisca Isabel de Saboia, a viúva do irmão Dom Afonso VI. Neste ponto de incestos reais, parece que os Bragan-ças portugueses tinham uma leitura bíblica bem mais terra-a-terra do que os Tudors ingleses seus antepassados remotos.    
 
The procession with Henry at its heart

4 comentários:

  1. Belo texto histórico, Prof! É inconcebível como os homens inventam sistemas para exercer o seu poder sobre os seus semelhantes, de forma a decidir da sua vida e morte e dos recursos que a todos deveriam pertencer. O absolutismo é um deles, sendo impressionante o poder concentrado nas mãos de um só homem...

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  2. O mais poderoso monarca britânico de todos os tempos, dizem os anais, mas provavelmente também o mais insatisfeito para não dizer infeliz.

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  3. Adorei, como sempre! Esta tua veia para contar episódios da corte, entre muitos outros, é reveladora de uma grande maestria nesta lides!

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  4. Teresa Salvado de Sousa29 de agosto de 2020 às 11:44

    Só tu para nos trazeres estas coisas, Artur ��. E para as contar tão bem

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