27 de maio de 2020

Os olhares dos Duques de Urbino olhados por Piero della Francesca

PIERO DELLA FRANCESCA
«Dittico dei duchi di Urbino» (c. 1465-1472)
[Galleria degli Uffizi - Firenze]

O díptico dos duques de Urbino domina a grande sala da Galeria dos Ofícios de Florença dedicada ao primitivo Renascimento italiano. Pintado no terceiro quartel do séc. xv por Piero della Francesca (1415-1492), representa os soberanos, Federico da Montefeltro e Battista Sforza, retratados de perfil, como se se tratasse dos bustos de dois cônjuges romanos gravados numa medalha ao modo de Pisanello. Ao seu redor encontram-se as obras maiores de Masaccio, Masolino, Paolo Uccello, Beato Angelico, Domenico Veneziano e Fillippo Lippi. Coabitam o mesmo espaço conquistado por direito próprio, a desafiarem mutuamente a atenção de quem as observa, com o magnetismo específico que as identifica e torna únicas para a história da arte europeia e universal.

Os dois esposos olham-se fixamente dum retábulo para o outro e não se veem. Trocam entre si olhares gelados, distantes, abstratos. Como se se olhassem à transparência. Mantêm uma postura inexpressiva, hirta, ausente. Olham-se sem trocar palavra. Já disseram tudo o que havia para dizer em 550 anos de enfrentamento compulsivo. Indiferentes à paisagem que lhes serve de pano de fundo. Imóveis nas suas molduras douradas de aparato ducal. De costas voltadas para os triunfos que ilustram os seus feitos sobre a terra. Olhei-os fixamente de frente e de lado. Os visitantes fotografam-lhes o verso e o reverso. Estudam as alegorias mitológicas que os descrevem sem poupar encómios. Olhares perdidos na superfície silenciosa duma têmpera de tintas desfeitas com cola e água.

Trionfi di Federigo da Montefeltro e Battista Sforza
Trionfi di Federigo da Montefeltro e Battista Sforza

21 de maio de 2020

Albert Camus: o mito de Sísifo, um ensaio existencialista sobre o absurdo

« Il n'y a qu'un problème philosophique vraiment sérieux : c'est le suicide. Juger que la vie vaut ou ne vaut pas la peine d'être vécue, c'est répondre à la question fondamentale de la philosophie. Le reste, si le monde a trois dimensions, si l'esprit a neuf ou douze catégories, vient ensuite. Ce sont des jeux ; il faut d'abord répondre. Et s'il est vrai, comme le veut Nietzsche, qu'un philosophe, pour être estimable, doive prêcher d'exemple, on saisit l'importance de cette réponse puisqu'elle va précéder le geste définitif. Ce sont là des évidences sensibles au cœur, mais qu'il faut approfondir pour les rendre claires à l'esprit. »
Sísifo, primeiro rei de Éfira, depois chamada Corinto, era considerado o mais malicioso dos mortais e um dos mais mordazes críticos dos deuses imortais. Estes, como castigo exemplar dum tal desaforo e impiedade, condenaram-no a empurrar um enorme rochedo numa alta montanha do Tártaro, o mundo subterrâneo dos mortos regido por Hades. Ao chegar ao topo e ao resvalar para o chão, devia repetir incessantemente o processo. Albert Camus pega nesta punição cruel do malfadado penitente estar obrigado a realizar para todo o sempre um trabalho perfeitamente inútil e sem esperança de qualquer tipo de remissão, aproveitando-a para dar corpo a'O mito de Sísifo, ensaio sobre o absurdo (1942).

O plano programático seguido encontra-se inscrito no título completo do texto, reforçado nos cabeçalhos nas três secções que antecedem a história do malogrado rebelde da mitologia grega. A filosofia do absurdo é explanada através do raciocínio que lhe corpo, da forma como o homem a encara e dos modos como a criação lhe voz. A liberdade, o donjuanismo, a comédia, a conquista e o romance são alguns dos subtemas desenvolvidos a longo de toda a tessitura discursiva. O volume conclui com uma explanação enciclopédica, estudo organizado por Liselotte Richter.

Sísifo de Éfira, à semelhança do Rei Édipo de Tebas ou do Don Juan Tenorio de Sevilha, é um herói absurdo, porque consciente do seu destino trágico. O resultado estéril do trabalho a que foi votado pelos deuses aproxima-se da própria existência humana. Um ser solitário limitado no espaço e no tempo. Num universo incompreensível, desprovido de Deus e de eternidade. O futuro prémio Nobel da literatura questiona-se sobre o recurso ao suicídio como modo de resolver a sensação de náusea duma vida vã e sem esperança de alterar. Conclui que seria perfeitamente infrutuoso, dado que no mundo real não há uma experiência da morte. Só o que é vivido de modo consciente é experimentado.

No tempo em que ainda estava na moda como corrente filosófica, tive uma certa fixação doentia pelo existencialismo. Depois passou-me tão rapidamente como chegara. Volto agora ao seu seio com caráter pontual e por força das circunstâncias. A angústia individual de quem sente o abismo formado entre o ser e o nada perde toda a pertinência quando nos confrontamos com uma peste global que abarca toda a humanidade. O absurdo ganha uma nova dimensão. Tem de ser adaptado à nova realidade que agora nos rodeia. Preservar a vida que nos resta e afastar para além do horizonte visível todos os obstáculos que a tolham.

15 de maio de 2020

A vaca espanhola, a ópera-bufa e a carta digital

     Clavier en pierre dans une rue de Bruxelles     

TUTA - TORTO - TORTELLINI - TUNHO
Se eu fosse francês e alguém me ouvisse quando rondava os meus três anos de idade diria que je parlais comme une vache espagnole. Como sou português de gema, limitavam-se a considerar que era muito espanhol a falar. Pobre Espanha com tais vizinhos dum lado e doutro da fronteira a testar as suas capacidades linguísticas. Foi com esta capacidade poliglota que batizei o meu irmão de Bé-Tó, de tal maneira que ainda hoje toda a gente o conhece como tal. Da mesma particularidade gozava a minha filha mais nova e goza agora também o meu neto, que, a uma distância de três décadas, me passaram a chamar Pai Tuta e Vô Tunho. Nem mais nem menos. O Artur anda um pouco escondido no todo obtido, mas deixa-se revelar nas sílabas iniciais dos dois petits noms infantis que me foram atribuídos e eu carrego com todo o prazer do mundo.

Quando os alunos ainda tinham alguma imaginação, apelidavam os professores com um ou outro epíteto mais ou menos contundente. A mim coube-me o de Torto. Nunca me senti minimamente melindrado com essa forma irreverente de me identificarem. Vi-a sempre como sinónimo de exigência pedagógica de exercer a docência. Deu-me até para alimentar a brincadeira e italianizá-lo para Arturo Tortellini, como nome artístico numa troupe residente de opera buffa de final das aulas, para pôr em revista as ocorrências mais relevantes do ano. Lembro-me muito bem da Tereza sin Verguenza, da Concepción non La Callas, do Don Giovanni Carrapatini, do Jorge Carrerini ou da Noemini Parvallotti. Um elenco lírico-dramático de luxo com sucesso cénico redundante assegurado em cada atuação. Estou certo que se passarem os olhos por aqui se reconhecerão de imediato.

Voltei a ser tratado por Tuta e Tunho bem pouco tempo numa carta digital muito especial. O isolamento absoluto verificado nos cuidados intensivos onde então me encontrava foi quebrado virtualmente nos dois últimos dias que ali passei. Foi possível graças à criação do projeto Amor Entrelinhas, baseado no lema «Combater a doença sem esquecer as pessoas». Terei sido o primeiro utente a usufruir da iniciativa dos profissionais de saúde do Hospital de Faro. Na altura tive dificuldade em expressar em poucas palavras as sensações então sentidasTal como me sinto neste momento ao tentar remediar essa lacuna procurando as tais palavras de reconhecimento que teimam em fugir-me. Fico-me com a carga afetiva que cabe num diminutivo familiar proferido por uma criança quando se dirige carinhosamente ao pai ou ao avô. Abreviam palavras e ampliam sentimentos.

11 de maio de 2020

Boccaccio e as cem novelas do Decâmeron contadas em dez dias

             John William Waterhouse, A Tale from Decameron, 1916           
«Io intendo di raccontare cento novelle, o favole o parabole o istorie che dire le vogliamo, raccontate in diece giorni da una onesta brigata di sette donne e di tre giovani nel pistilenzioso tempo della passata mortalitá fatta, ed alcune canzonette dalle predette donne cantate al lor diletto. Nelle quali novelle, piacevoli ed aspri casi d’amore ed altri fortunosi avvenimenti si vedranno cosí ne’ moderni tempi avvenuti come negli antichi; delle quali le giá dette donne che quelle leggeranno, parimente diletto delle sollazzevoli cose in quelle mostrate ed utile consiglio potranno pigliare, e conoscere quello che sia da fuggire e che sia similmente da seguitare: le quali cose senza passamento di noia non credo che possano intervenire. Il che se avviene, che voglia Iddio che cosí sia, ad Amore ne rendano grazie, il quale liberandomi da’ suoi legami m’ha conceduto di potere attendere a’ loro piaceri.»
A pandemia mais devastadora de que há memória na história da humanidade ocorreu em meados do século xiv e ficou conhecida como peste negra, peste bubónica, grande peste ou somente peste. Oriunda da Ásia Central ou Oriental, entrou na Europa através da Crimeia em 1343 e espalhou-se por toda a bacia mediterrânica e restante continente num curtíssimo espaço de tempo. Ao que parece, terá sido transmitida por pulgas dos ratos que viajavam nos navios mercantes genoveses e terá provocado a morte de 75 a 200 milhões de vítimas em toda a Eurásia, o que corresponde a cerca de 30% a 60% da sua população. O pico do surto ocorreu entre 1347 e 1351, tendo a recuperação do equilíbrio demográfico durado uns 200 anos. Florença terá sido a cidade onde os efeitos foram mais acentuados, com os níveis da população anteriores ao surto a serem repostos já entrados no século xix.

O afastamento estratégico das zonas mais atingidas por qualquer tipo de pestilência, o refúgio em locais considerados seguros e o recurso a um isolamento adequado têm sido práticas correntes aplicadas ao longo dos tempos. Os anais históricos estão cheios de testemunhos desses procedimentos ancestrais, sobretudo quando se referem às mudanças constantes das cortes régias duns locais para outros, onde se estabeleciam por períodos de duração variável. As classes privilegiadas, pertencentes à alta clerezia e nobreza, bem como à burguesia endinheirada, não raras vezes substituíam a insalubridade das cidades pelo ar puro do campo. A literatura da época fornece-nos alguns exemplos dessas migrações internas em períodos de crise pandémica. Giovanni Boccaccio (1313-1375), humanista italiano e um dos promotores da passagem da Idade Média tardia para a Idade Moderna renascentista, é, porventura, o mais conhecido de todos. Fê-lo sob a forma duma coletânea de cem novelas, i.e., de relatos modernos, curtos ou longos, geralmente em prosa, escritos numa língua nacional, neste caso o toscano, de temática cavaleiresca, cortesã e de aventuras noturnas de contorno lúbrico, formando, no seu conjunto, uma legítima comédia humana.

Essa novela de novelas está distribuída por dois níveis narrativos, através do encaixe duma centena de fábulas, parábolas ou histórias de reduzida dimensão numa estrutura mais ampla aglutinadora de toda a ficção produzida. O núcleo central de eventos decorre numa Florença devastada pela peste, tendo a ação início na manhã duma terça-feira de 1348, na Igreja de Santa Maria Novella, quando sete donzelas da alta sociedade local se cruzaram por com três jovens mancebos de estatuto social idêntico que ali se encontravam a prestar culto à virgem naqueles dias de luto generalizado. A ocasião de travarem diálogo entre si proporcionou-se, bem como a resolução ali tomada de se refugiarem numa vila isolada da cidade. Para passar o tempo, elegeriam cada jornada um rei ou uma rainha, que escolheria o seu mordomo ou mordoma e determinaria as atividades a desenvolver ao longo de cada uma delas. Canto, dança, poesia, jogo, diálogo. Combinaram também que na hora de maior canícula, cada um contaria a sua novella. Por terem sido contadas em dez dias por dez contadores diferentes, Boccaccio deu-lhe o nome de Decâmeron (1350-1353).

A coletânea, dedicada às donas pertencentes à alta burguesia de mercadores florentinos, com o fim de amenizar a melancolia da solidão e do amor causada pelo afastamento dos maridos, teve um êxito imediato, que conseguiu vencer os obstáculos do tempo e chegar até nós, plasmado em edições sucessivas vertidas para todas as línguas de cultura. Que o diga Pier Paolo Pasolini, ao selecionar um número considerável desses relatos exemplares e ao passá-los da forma escrita dum livro para a filmada para o cinema, elegeu precisamente Il Decameron (1971) para inaugurar a Trilogia della Vita, porventura o mais bem-sucedido da série e que lhe granjearia o registo indiscutível no mundo da Sétima Arte. As letras e as imagens juntaram-se a uma quarentena trecentista italiana, a um confinamento voluntário duma dezena de jovens representantes das mais altas elites florentinas e demonstraram por A+B que as obras-primas da criatividade humana não têm idade. Vivem para sempre no nosso imaginário intemporal.

9 de maio de 2020

Olhares da Europa no dia da Europa

EUROPA SUL TORO
Assteas (c. 370-360 AEC)
[Museo del Sannio (Montesarchio / Benevento)]

Porque, afinal, o que é a Europa?
Miriam falou: «Isto é o que Nuru, o cego, viu. Estamos dentro dos olhos de Nuru. Talvez ele nos quisesse dizer que é este o sítio.» As palavras não queriam dizer isso, ninguém punha a hipótese de ficar. Quando a fruta acabasse, o pesadelo do bosque iria acontecer de novo.
Disse Awa: «Talvez ele nos enganasse. O guarda da cidade proibida. Talvez a Europa seja um bom destino, como sempre julgámos que seria.»
«Talvez a Europa nem sequer lá esteja», disse Walid. «Porque, afinal, o que é a Europa?»
Então alguns contaram como primos, irmãos e tios viviam em cidades onde fazia sempre muita sombra e as ruas serviam apenas para passar, passar depressa, não por medo, mas porque estava neles ativado o estranho mecanismo da corrida. «Correm na paz como se fosse a guerra. Mas não é.»
«É por isso que não nos querem lá. Paramos muito. Damos prejuízo. Paramos para rezar. Temos costumes.»
«Eles não têm costumes?»
«Não. Não têm. Nimar diz que perderam os costumes. O meu primo Nimar é o que diz. Ele falava comigo ao telefone. Íamos ter com ele. E avisou-nos. A questão é guardar o nosso povo dentro do povo deles. São boa gente. Mas depois querem mandar. Querem dizer o não e o sim das nossas vidas. E olham para nós com olhar franco, mas, quem reparar bem, conta Nimar, vê-lhes os pelos do pescoço arrepiados.»
«Há sempre o animal ali na nuca», corroborou Aiyanna.
À força de viverem iguais dias, iguais anseios, privações iguais, eles haviam caído na armadilha de teia identitária que rodeia e aperta às vezes mais do que a amorosa. Iam assando na fogueira grandes frutos de casca avermelhada que eram carnudos e pesados como pão. E não havia neles um movimento de furto ou de avareza. Tão-pouco se lembravam da hierarquia que punha o masculino antes de tudo. Se aceitavam alguma precedência, essa era a idade, mais nenhuma. Quando ela também fosse eliminada, tornar-se-iam totalmente europeus. Mas não sabiam.
Hélia Correia, Um bailarino na batalha (Lx: 2018, 99-100)

5 de maio de 2020

Diálogo travado em linguajar mui bárbaro e português ressuscitado


    Dia Mundial da Língua Portuguesa    

Num tempo indeterminado do futuro, um escoliasta descobriu os fragmentos dum livro publicado nos inícios dos anos 2000. Surpreendido com a linguagem decadente ali registada, traduziu-o para um português ressuscitado e comentou todos os barbarismos ali encontrados.

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Lendo a primeira Jornada por certo haveis pasmado com tão estranho linguajar e mais ainda em o moço que em a Abadessa, contudo também esta fala barbaramente. E mais advirto que se encontrais boas e bem escritas sentenças ao princípio da dita Jornada, antesmente os discursos, é isso porque eu verti para a moderna língua o que o autor escreveu, que era em tão desgraçada e estranha linguagem que não o poderíeis entender quiçá.

Achareis por certo, como disse, tal cousa de pasmar. Porém eu vos recordo que o caso se deu em os recuados primeiros dias do século vigésimo primeiro, quando a nossa portuguesa língua se perdia, o que veio depoismente a acaecer, que nosso povo tão dominado foi em corpo e em espírito que lhe preferiu a língua americangla, a que nossos cronistas também chamam hoje yeah-yeah-man. E a nossa só foi salva e revivescida em sua quase pura inteireza por esforço e estudo daqueles venerandos sábios que em boa hora e com a ajuda e a inspiração do Senhor se ajuntaram em Colégio de Arqueologia para estudar e ressuscitar o que em nós fora morto (e que era quase tudo) pelos bárbaros americanos e aqueles seus discípulos e seguidores que se assenhorearam da União, em o que não fomos mais afortunados que outros povos nossos irmãos do continente.

E àqueles que roídos de inveja ou tomados de douta arrogância dizem que esta língua portuguesa ressuscitada não é já aquela que antesmente se falava, e que o venerando Colégio confundiu em seu estudo a linguagem de muita épocas e cometeu outrossim grande soma de erros, responderei eu que não os vi a esses, nem a ninguém mais, fazer cousa melhor ou sequer alguma cousa; e hei por pouco honroso apontar erros e enganos quando nada se faz. E sobre os erros e enganos que eles apontam alembrarei eu que por o já dito desamor a nossa língua, e também por a muitas guerras e violências, se perderam quasemente todos os clássicos e que em os mais modernos magnéticos e televisivos registos e outros documentos que nos ficaram, e mui poucos eram, quasemente haviam só os discursos de gente que já não falava o escorreito português, antes era um linguajar muito bárbaro, de sorte que os sábios do dito venerando Colégio se viram em grandes e porfiados e esforçados trabalhos para de novo erguerem tão belo e nobre edifício, porém tão arrasado, que já quasemente saber não podiam o que era certo e errado.
João Aguiar, Diálogo das Compensadas. Lisboa: Asa, 2001, 13-14

1 de maio de 2020

Maio maduro maio...

        Ana Hatherly, As ruas de Lisboa (1977)        
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian - Coleção Moderna
Maio maduro Maio | Quem te pintou | Quem te quebrou o encanto | Nunca te amou | Raiava o Sol já no Sul | E uma falua vinha | Lá de Istambul || Sempre depois da sesta | Chamando as flores | Era o dia da festa | Maio de amores | Era o dia de cantar | E uma falua andava | Ao longe a varar || Maio com meu amigo | Quem dera já | Sempre depois do trigo | Se cantará | Qu'importa a fúria do mar | Que a voz não te esmoreça | Vamos lutar || Numa rua comprida | El-rei pastor| Vende o soro da vida | Que mata a dor | Venham ver, Maio nasceu | Que a voz não te esmoreça | A turba rompeu.
Em 1974, o Dia do Trabalhador foi celebrado na rua. Uma multidão de manifestantes juntou-se no estádio do Inatel depois de ter percorrido as principais artérias de Lisboa. No resto do país, a demonstração pública de alegria de poder comemorar o primeiro 1.º de Maio em liberdade não se fez também rogada.

Em 2020, o Dia do Trabalhador vai ser celebrado em casa. As palavras de ordem, se as houver, serão gritadas à janela. Os mass media repetirão à exaustão os discursos partidários e sindicais previsíveis e habituais nestas circunstâncias. A associação ao COVID-19 será obrigatória e amanhã será outro dia.