EUROPA SUL TORO Assteas (c. 370-360 AEC) [Museo del Sannio (Montesarchio / Benevento)] |
Porque, afinal, o que é a Europa?
Miriam falou: «Isto é o que Nuru, o cego, viu. Estamos dentro dos olhos
de Nuru. Talvez ele nos quisesse dizer que é este o sítio.» As palavras não
queriam dizer isso, ninguém punha a hipótese de ficar. Quando a fruta acabasse,
o pesadelo do bosque iria acontecer de novo.
Disse Awa: «Talvez ele nos enganasse. O guarda da cidade proibida.
Talvez a Europa seja um bom destino, como sempre julgámos que seria.»
«Talvez a Europa nem sequer lá esteja», disse Walid. «Porque, afinal, o
que é a Europa?»
Então alguns contaram como primos, irmãos e tios viviam em cidades onde
fazia sempre muita sombra e as ruas serviam apenas para passar, passar
depressa, não por medo, mas porque estava neles ativado o estranho mecanismo da
corrida. «Correm na paz como se fosse a guerra. Mas não é.»
«É por isso que não nos querem lá. Paramos muito. Damos prejuízo.
Paramos para rezar. Temos costumes.»
«Eles não têm costumes?»
«Não. Não têm. Nimar diz que perderam os costumes. O meu primo Nimar é
o que diz. Ele falava comigo ao telefone. Íamos ter com ele. E avisou-nos. A
questão é guardar o nosso povo dentro do povo deles. São boa gente. Mas depois
querem mandar. Querem dizer o não e o sim das nossas vidas. E olham para nós
com olhar franco, mas, quem reparar bem, conta Nimar, vê-lhes os pelos do
pescoço arrepiados.»
«Há sempre o animal ali na nuca», corroborou Aiyanna.
À força de viverem iguais dias, iguais anseios, privações iguais, eles
haviam caído na armadilha de teia identitária que rodeia e aperta às vezes mais
do que a amorosa. Iam assando na fogueira grandes frutos de casca avermelhada
que eram carnudos e pesados como pão. E não havia neles um movimento de furto
ou de avareza. Tão-pouco se lembravam da hierarquia que punha o masculino antes
de tudo. Se aceitavam alguma precedência, essa era a idade, mais nenhuma.
Quando ela também fosse eliminada, tornar-se-iam totalmente europeus. Mas não
sabiam.
Hélia Correia, Um bailarino na batalha (Lx: 2018, 99-100)
Prémio do Romance e da Novela da APE de 2018, que ainda não li e com pena porque gosto da escrita de Hélia Correia... E, afinal, o que é a Europa para os refugiados? Uma miragem que, para a maioria, se desvanece na realidade? Tema sempre atual e que, pela amostra, na pena de Hélia Correia é tratado de forma poética.
ResponderEliminarUma escrita pujante para uma temática pungente e tudo isto antes da atual crise viral...
EliminarTambém ainda não li este título da Hélia Correia, gosto muito de a ler.
ResponderEliminarA temática dos refugiados é muito complexa.
Ao longo dos tempos sempre existiram refugiados e fluxos migratórios e os motivos pouco mudaram.