21 de maio de 2020

Albert Camus: o mito de Sísifo, um ensaio existencialista sobre o absurdo

« Il n'y a qu'un problème philosophique vraiment sérieux : c'est le suicide. Juger que la vie vaut ou ne vaut pas la peine d'être vécue, c'est répondre à la question fondamentale de la philosophie. Le reste, si le monde a trois dimensions, si l'esprit a neuf ou douze catégories, vient ensuite. Ce sont des jeux ; il faut d'abord répondre. Et s'il est vrai, comme le veut Nietzsche, qu'un philosophe, pour être estimable, doive prêcher d'exemple, on saisit l'importance de cette réponse puisqu'elle va précéder le geste définitif. Ce sont là des évidences sensibles au cœur, mais qu'il faut approfondir pour les rendre claires à l'esprit. »
Sísifo, primeiro rei de Éfira, depois chamada Corinto, era considerado o mais malicioso dos mortais e um dos mais mordazes críticos dos deuses imortais. Estes, como castigo exemplar dum tal desaforo e impiedade, condenaram-no a empurrar um enorme rochedo numa alta montanha do Tártaro, o mundo subterrâneo dos mortos regido por Hades. Ao chegar ao topo e ao resvalar para o chão, devia repetir incessantemente o processo. Albert Camus pega nesta punição cruel do malfadado penitente estar obrigado a realizar para todo o sempre um trabalho perfeitamente inútil e sem esperança de qualquer tipo de remissão, aproveitando-a para dar corpo a'O mito de Sísifo, ensaio sobre o absurdo (1942).

O plano programático seguido encontra-se inscrito no título completo do texto, reforçado nos cabeçalhos nas três secções que antecedem a história do malogrado rebelde da mitologia grega. A filosofia do absurdo é explanada através do raciocínio que lhe corpo, da forma como o homem a encara e dos modos como a criação lhe voz. A liberdade, o donjuanismo, a comédia, a conquista e o romance são alguns dos subtemas desenvolvidos a longo de toda a tessitura discursiva. O volume conclui com uma explanação enciclopédica, estudo organizado por Liselotte Richter.

Sísifo de Éfira, à semelhança do Rei Édipo de Tebas ou do Don Juan Tenorio de Sevilha, é um herói absurdo, porque consciente do seu destino trágico. O resultado estéril do trabalho a que foi votado pelos deuses aproxima-se da própria existência humana. Um ser solitário limitado no espaço e no tempo. Num universo incompreensível, desprovido de Deus e de eternidade. O futuro prémio Nobel da literatura questiona-se sobre o recurso ao suicídio como modo de resolver a sensação de náusea duma vida vã e sem esperança de alterar. Conclui que seria perfeitamente infrutuoso, dado que no mundo real não há uma experiência da morte. Só o que é vivido de modo consciente é experimentado.

No tempo em que ainda estava na moda como corrente filosófica, tive uma certa fixação doentia pelo existencialismo. Depois passou-me tão rapidamente como chegara. Volto agora ao seu seio com caráter pontual e por força das circunstâncias. A angústia individual de quem sente o abismo formado entre o ser e o nada perde toda a pertinência quando nos confrontamos com uma peste global que abarca toda a humanidade. O absurdo ganha uma nova dimensão. Tem de ser adaptado à nova realidade que agora nos rodeia. Preservar a vida que nos resta e afastar para além do horizonte visível todos os obstáculos que a tolham.

2 comentários:

  1. Um dos objetivos maiores da leitura é a reflexão, plenamente conseguida com o texto que acabo de ler.
    Obrigada e continue a recuperar!

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  2. Um tema bem pertinente nestes tempos que nos confinam à nossa insustentável leveza do ser. A nossa angústia individual esmorece quando o perigo visita quem amamos e desaparece quando ameaça a própria humanidade... O absurdo instalou-se nos nossos dias mas, afinal, o ser humano tem a resiliência que lhe advém do instinto de preservação..

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