16 de março de 2024

Mandachuvas & Paus-Mandados

Paula Rego, Salazar a vomitar a pátria (1960)

[Lisboa, Centro de Arte Moderna, Gulbenkian]

No tempo da outra senhora...

No tempo da outra senhora, os destinos do país eram sabiamente regidos por duas entidades magnas: um mandachuva absoluto e um pau-mandado submisso. O primeiro dava pelo nome pomposo de presidente do conselho e o segundo de chefe de estado, por horror inato às designações comuns de Primeiro Ministro e Presidente da República. Era ao herdeiro efetivo e incontestado da Ditadura Militar [1926-1928] que competia designar o suposto dirigente máximo do regime, a preceder o processo simulado da sua eleição/nomeação legal. Tudo a bem da nação como mandavam os figurinos.

Fui gerado numa fase intermédia de troca do consulado do primeiro pau-mandado do Estado Novo para o segundo. Reinava então no seu poder ilimitado o dinossauro excelentíssimo de Santa Comba, arvorado na categoria de mandachuva-mor interino, sem direito a um número de ordem na listagem oficial dos chefes de estado / presidentes da república, ocupando o lugar interposto entre o 11.º e o 12.º inquilino do Palácio de Belém. Fraca consolação para quem era de facto senhor disto tudo e preferia ditar as suas leis a partir do Palacete de São Bento, modesto como se fazia pintar.

O primeiro delfim do antigo seminarista de Viseu e lente de Coimbra aqueceu o lugar pouco tempo. Quando cheguei à  primária, o retrato do segundo pau-mandado de serviço já dera lugar ao do terceiro. É desse que me lembro pendurado na parede da sala de aulas, ao lado do do manda-chuva vitalício e com um crucifixo de permeio. Ótima companhia para as três filas de meninos que olhavam a santíssima trindade com o respeito que lhe era devido, a dos que nunca andavam descalços, a dos que nunca andavam calçados e a dos medianos como eu que alternavam o pé calçado e o descalço.

No preparatório e secundário não havia fotos de mandachuvas e paus-mandados pendurados nas paredes. Lembro-me de ter visto o marinheiro almirante na inauguração solene da escola nova que substituíra de vez a improvisada escola velha há muito a gritar um tirem-me daqui urgente. Nunca vi ao vivo os dois caciques maiores que entretanto se haviam sucedido no poder. É que o quase eterno Manholas das Botas caíra entretanto da cadeira e sido trocado pelo promotor das soporíferas conversas de família televisivas. Tardou décadas mas nada acrescentou ou arrecadou o render da guarda.

O levantamento militar das Caldas de há 50 anos apanhou-me já em Lisboa. Para trás haviam ficado as brincadeiras infantis com os meninos da rua junto ao chafariz d'el-Rei em tempo duma Segunda República envergonhada ou dos colegas de escola no recreio das aulas e nos trilhos e clareiras secretas da mata real da cidade. O prelúdio para o movimento dos capitães de abril e da revolução dos cravos estava dadoAssim as novas aragens que pairam no horizonte nos permitam celebrar dentro de dias a queda definitiva e em paz dos mandachuvas e paus-mandados recentes de tão má memória.

12 de março de 2024

Camões: as armas e os barões assinalados dos filhos de Luso

       Eternos moradores do luzente
Eʃteliƒero polo & claro aʃʃento,
Se do grande valor da ƒorte gente,
De Luʃo, não perdeis o penʃamento,
Deueis de ter ʃabido claramente,
Como he dos ƒados grandes certo intento
Que por ella ʃeʃqueção os humanos,
De Aßirios, Perʃas, Gregos & Romanos.
Luis de Camoẽs, Os Lusiadas
(Cant. I, est. 24, fol.º 5)

Fará hoje precisamente 452 anos que Luís Vaz de Camões viu sair dos prelos de António Gonçalves a primeira edição d'Os Lusíadas (1572), aquela que as normas de referência bibliográfica assinalam com a sigla Ee/S ou E/D, tendo em atenção o pormenor do pelicano da xilografia do frontispício ter a cabeça voltada para a esquerda [Sinistra] ou para a direita [Destra] e corresponder à alternância do «E entre / Entre» das duas versões referidas [I.1:7]. Minudências à parte, é verdade que a folha de rosto só refere o mês e o ano de publicação, mas a dar fé no Alvará Régio que concedeu ao autor a tença anual vitalícia de 15000 réis a partir de 12 de março de 1572, leva-nos a inferir ter sido essa a data precisa da sua impressão.

Sobre o poema se disse muito e outro tanto fica ainda por dizer. Dizem ser o canto épico de todos os portugueses, quando o poeta só se propôs cantar as armas e os barões assinalados. Acrescenta ainda as memórias gloriosas dos reis que alargaram o império e daqueles que pelos atos valorosos feitos em vida se foram da lei da morte libertando. Por outras palavras, canta a glória dos heróis viris e faz tábua rasa da fama feminil das heroínas. Saem de cena as donas e donzelas também elas descendentes de Luso, o filho ou companheiro de Baco, bem como toda a arraia-miúda posta à sombra do peito ilustre lusitano. Ecos perceptíveis de ressonância latina, recolhidos nas fontes clássicas postas então à sua disposição.

Constitui um lugar-comum considerar Camões o expoente máximo do Renascimento português, pelo menos se o fizermos no sentido lato do termo. Para ser mais rigoroso, talvez fosse preferível redefinir melhor o período histórico-cultural em que viveu e remetê-lo para as fronteiras mais precisas do Maneirismo literário. Na idealização d'Os Lusíadas, o vate lusitano socorre-se do contributo romano da Eneida de Vergílio que, por sua vez, se inspirara na Ilíada e na Odisseia de Homero. Compõem as suas epopeias à maneira uns dos outros. Com boa vontade, até o próprio aedo jónico pode ter tido acesso a uma ou outra versão das façanhas mesopotâmicas de Gilgameš.

Se uma Epopeia [εποποιία] é um conjunto de Epos [επος], de relatos orais de origem lendária, unidos ao mito através do canto, então todos os casos referidos partilham dessa regra genérica, só divergindo na ânsia legítima de se superarem. Os Troianos vencidos pelos Aqueus, vingam-se destes em tempos históricos, quando os Latinos filhos dos primeiros derrotam os Helenos herdeiros dos segundos. O Império Grego sucessor do Assírio e do Persa acaba também ele por ser conquistado pelo nascente poder imperial Romano. Nada que o Príncipe dos Poetas Lusitanos não tenha referido na epopeia que o celebrizou, afirmando ter a vitória definitiva do mundo moderno sobre o antigo sido obtida pelo engenho e arte dos filhos de Luso.

Nos dias em que se comemoram os Quinhentos Anos do autor d'Os Lusíadas, seria bom começar a depurar a sua vida vivida das fábulas que lhe estão associadas e lhe dão corpo e colorido. Deve ser sina dos criadores laureados dos heróis épicos da imaginação. Do rapsodo da cólera de Aquiles e das odisseias de Ulisses nada se sabe, do cantor das façanhas marítimas de Vasco da Gama pouco mais ou nada. A meio milénio de distância, já seria altura de passar dos mitos e contramitos do Trinca Fortes, Pinga Amor e Cavaleiro da Fortuna aos factos de vida de facto vivida por aquele que com uma mão na espada e noutra a pena chegou até à nossa memória presente rumo às futuras perdidas na bruma do tempo.

8 de março de 2024

Somerset Maugham e as paixões teatrais da divina Julia Lambert

“You don't know the difference between truth and make-believe. You never stop acting. It's second nature to you. You act when there's a party here. You act to the servants, you act to father, you act to me. To me you act the part of the fond, indulgent, celebrated mother. You don't exist, you're only the innumerable parts you've played. I've often wondered if there was ever a you or if you were never anything more than a vehicle for all these other people that you've preten-ded to be. When I've seen you go into an empty room I've sometimes wanted to open the door suddenly, but I've been afraid to in case I found nobody there.”

W. Somerset Maugham era ainda um autor muito conhecido entre nós na viragem dos anos 60 para os 70, décadas em que o li pela primeira vez. Agora, entrados num novo século e milénio, raramente se um texto seu disponível numa livraria, nem sequer os mais populares, aqueles que lhe valeram um renome global, traduzidos em dezenas de línguas, adaptados amiúdas vezes ao cinema e representados nos mais reputados palcos teatrais do mundo. Encontrei As paixões de Júlia (1937) por mero acaso e sem recorrer à compra on-line, aquela que me impede de folhear o volume desejado in loco e enebriar-me com o cheiro da tinta acabada de imprimir. Estavam meio escondidas no meio doutros títulos completamente desconhecidos. Retirei-o de imediato do reduto onde se alojara e trouxe-o para casa. De quando em quando há surpresas que convém aproveitar antes a que se desfaçam sem pedir licença a ninguém.

A leitura prévia da sinopse patente na contracapa do tomo resgatado duma estante livreira revela-nos tratar-se da história da maior atriz inglesa do seu tempo, que estaria então no auge de sucesso da sua carreira. Diz-nos, ainda, estar cansada do marido e se ter deixado envolver pelas atenções dispensadas por um jovem admirador. Um vulgar ménage à trois que terá causado uma reviravolta irreversível na sua vida até então perfeita e imperturbável. Atrevi-me a resumir aqui a obra, baseado nos dados facultados pelas próprias entidades editoras, a Leya-Asa, que a trouxeram ao convívio dos recetores atuais, há muito afastados dos tempos complexos que mediaram as duas grandes guerras mundiais que abalaram a primeira metade do século passado. A banalidade dum tal enredo quase dispensaria, à partida, a incursão pelas quase três centenas de páginas do relato, caso não tivessem sido escritas por quem foram e que tantas horas de perfeito prazer estético tem vindo a oferecer a quem dele o tem ouvido por palavras escritas e ouvidas.

Por alguma razão desconhecida, o autor britânico, nascido em Paris e falecido em Nice, destacou-se com igual acerto poético na tessitura de dramas, romances, contos e ensaios, patenteando uma facilidade exímia no manejo das técnicas específicas dos discursos direto e relatado. Essa perícia rara de conjugar diálogos, monólogos interiores ou correntes de pensamento encontra-se bem demonstrada neste caso concreto, em que as diversas modalidades literárias referidas se cruzam a cada momento, como se se tratasse juntamente duma peça de teatro representada nas laudas dum romance. A escolha do título original inglês acerca-se, assim, muito mais ao efeito visado de captar a atenção do leitor/espetador, do que as variantes usadas em algumas versões traduzidas ou na sua adaptação à sétima arte.

Pegando precisamente na versão filmada de István Szabó, o Being Julia (2004), apercebemo-nos que a temática catalizadora da trama recai no nome próprio da protagonista, a força dramática que anima a narrativa levada para o grande ecrã. Uma Annette Bening real a dar corpo e voz à Julia Lambert da ficção, cujas sonoridades fonéticas me trouxeram à lembrança as imagens dispersas duma fita que, em tempos, vira num qualquer canal televisivo. Apraz-me imaginar o quanto Somerset Maugham gostaria de saber que um texto seu quase secular continua a dar cartas a quem o quiser visitar nas folhas dum livro ou nas imagens projetadas numa tela de cinema, faculdade que as obras maiores da criatividade humana logram atingir. Talvez o segredo se situe na arte de contar factos ocorridos no já longínquo ambiente teatral londrino dos anos 20/30 novecentistas, recorrendo, para tal, a uma ironia-sarcasmo-cinismo ímpar que lhe granjearam essa tal reputação intemporal reservada a pouquíssimos. Até pode ser, se o deleite sentido pela leitura se mantiver alojado entre nós agora e sempre que o quisermos fruir em toda a sua plenitude.

3 de março de 2024

A eleição revolucionária dum rei plebeu

Anónimo, Retrato de Dom João I de Portugal (c. 1435)

[Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga]

Filho bastardo da arraia-miúda e digno de boa memória

A 3 de março de 1385, Dom João Mestre de Avis dava entrada na cidade de Coimbra para participar nas Cortes que ali se iriam realizar nos Paços d'el-Rei, perante os delegados dos três braços do Estado, o clero, a nobreza e o povo. Compareceu solenemente nessa reunião magna na qualidade de Defensor e Regedor do Reino, foi eleito Rei de Portugal e Algarve alguns dias depois, ao que parece entre 11 e 16 desse mesmo mês e ano, tendo sido aclamado com toda a honra e circunstância exigida pela tradição a 6 de abril seguinte. A dinastia de Borgonha saía de cena e cedia passo à regida pela Casa de Avis.

Ao optar por uma solução eletiva de cariz revolucionário, abriu-se uma singularidade insólita na monarquia secular lusitana, até então fiel ao princípio hereditário de sucessão régia. Uma tal anomalia deveu-se ao facto do rei Formoso ter falecido sem deixar um filho varão para o render no trono. Ao invés, gerara uma filha que a sua inabilidade política casara com o poderoso rei de Castela e Leão, pondo em risco a efetiva autonomia e independência do destino nacional português. Entrava-se assim no Interregno de 1383-85, o período conturbado marcado pela ausência dum soberano reconhecido por todos.

Nesses tempos de medievalidades longínquas, as rédeas do poder alcançavam-se no campo de batalha, através da derrota efetiva dos rivais vindos de dentro e fora dos territórios a conquistar. Depois desse período decisivo, a tarefa do Doutor João das Regras não terá tido grande dificuldade em escolher o filho natural de Dom Pedro I e de Teresa Lourenço como candidato ideal, por ter sido o único que nunca se exilara ou terçara armas contra Portugal. O governo provisório instalado em nome da rainha Dona Beatriz é ilegalizado e o revolucionário de Dom João I é legitimado com caráter definitivo.

A 525 anos da Implantação da República, o mais plebeu monarca português, o descendente duma filha da arraia-miúda é eleito rei dum país da periferia europeia prestes a tornar-se numa potência imperial à escala global. Dizem as crónicas régias que a memória regista ter passado à história como O da Boa Memória, epíteto de que poucos governantes se podem gabar. O pai da Ínclita Geração provou dessarte a pouca valia que a Sequência C dos casamentos da realeza (consentimento-contrato-consumação-consanguinidade) tem num governo feito em nome da res publica, a coisa do povo.

REAIS DE PRATA
D. Beatriz & D. João I

26 de fevereiro de 2024

A maçã-de-elefante, bolsa-de-pastor ou fruta-cofre da árvore das patacas

DILLENIA INDICA

Contam as histórias com história que a lenda da árvore-das-patacas terá nascido no hemisfério sul, após a debandada da Corte Lusitana para Terras de Vera Cruz. A crença na existência duma árvore capaz de dar frutos repletos de moedas anda associada à dillenia indica, speciosa ou elongata, planta oriunda das Índias Orientais introduzida nas Índias Ocidentais durante a vigência da política imperial botânica dos Bragança. A particularidade que celebrizou essa espécie reside no facto das suas pétalas se fecharem sobre o centro das flores para produzir o respetivo fruto. 

Com o propósito de ministrar uma formação pedagógica adequada para o herdeiro, D. João VI ter-se-á aproveitado das propriedades insólitas da dilénia índica, colocou uma moeda de pataca numa das suas flores para que gerasse a maçã-de-elefante, bolsa-de-pastor ou fruta-cofre da árvore-do-dinheiro ou das patacas. Ao que parece, mais tarde D. Pedro de Alcântara terá usado com sucesso esse subterfúgio para desfazer os sonhos desmedidos de riqueza fácil dos súbditos reais de Portugal e imperiais do Brasil com resultados visíveis ainda nos nossos dias.

A árvore das patacas saiu dos jardins do palácio imperial brasileiro, varou o largo mar oceano e alojou-se de armas e bagagens na selva do partidarismo mediático português em véspera de eleições. Vestiu a roupagem do despudor atrevido e pôs-se a prometer mundos e fundos para resolver todos as crises atávicas que por aí vão pululando. Terá descoberto não se sabe muito bem onde uma nova fazedora vegetal de fundos capaz de cobrir todos os sufocos, um feliz pomo de ouro colhido no Jardim das Hespérides a trocar as velhas patacas há muito tempo caídas em desuso.

20 de fevereiro de 2024

Crónica das crónicas em pedra grés

«Numa das minhas tentativas de comer um hambúrguer no pão com elegância social, numa hamburgueria junto ao Campus da Penha da Universidade do Algarve, tive a companhia de um colega com o qual almoço regularmente. A nossa conversa fluía, enquanto elegantemente tragávamos os hambúrgueres, sobre a construção da personalidade e a existência de Deus. O meu amigo revelou como a Servidão humana de W. Somerset Maugham tinha sido essencial na sua rejeição de Deus. Relatou-me com emoção a cena em que o Philip Carey (figura central do romance) reza a Deus, com toda a sua fé, para acordar no dia seguinte curado da deficiência física com que nascera (com um pé boto). Ao confrontar-se com a eternidade das limitações impostas pelo seu corpo, o jovem descobre que a normalidade é a coisa mais rara do mundo e apaixona-se pela arte e pela literatura. Como referia o meu colega, os romances conseguem responder às nossas inquietações, às inquietações de juventude e de idade adulta.»

O meu amigo e colega António Guerreiro lançou este fim de semana na Fnac da Guia as suas Crónicas em pedra grés (2023), uma seleta de cem olhares diferentes do nosso olhar de todos os dias sobre o mundo, publicados no jornal Terra Ruiva de Silves nos últimos vinte anos. Assisti à apresentação acompanhado de um conjunto de companheiros das lides académicas que atualmente só revejo em situações muito especiais como esta. De todos esses reencontros ocasionais, destaco o da Teresa Maló Sequeira, a moderadora da sessão, também ela parceira de práticas letivas que já tivera como aluna duma licenciatura em educação. Faço-o pela forma dinâmica como conduziu a apresentação do autor-obra, como promoveu a partilha de diálogos entre todos os participantes e contribuiu para o sucesso da iniciativa.

Ainda não li com olhos de ler a totalidade de testemunhos de vida vividos aqui coligidos. Fá-lo-ei na devida altura, sem pressas nem sobressaltos. Uma leitura em diagonal pelo índice remeteu-me para alguns temas que na época da escrita havíamos comentado, regra geral à hora de almoço dum qualquer restaurante das imediações do local de trabalho. Não os vou comentar aqui. Ultrapassaria em muito a dimensão duma única folha A4, o tamanho adequado para um texto desta natureza. Abrirei uma excepção para aquela que transcrevi parcialmente na epígrafe, pelo simples facto de ser o protagonista do episódio relatado e trazido ao domínio público.

A «Servidão», assim se chama a tal crónica destacada nesta crónica de crónicas, está repartida por dois momentos tidos a curta distância de espaços e tempos. O primeiro ocorreu na Hamburgueria da Baixa, sito próximo do Campus da Penha. Lembro-me de ter então pedido um Escangalhado, cujo nome já anuncia as dificuldades acrescidas do seu manuseamento, sobretudo para quem alguma dificuldade para lidar com esta sandes super-recheadas de proteínas animais, alguns vegetais avinagrados e uma profusão de molhos coloridos servidos à vontade e apetite do freguês. Uma companheira de repasto elucidou-nos a esse propósito o modo expedito como resolvera o problema, ou seja, com o mero recurso à faca e garfo. Assim o fizemos também nós os dois e saiu-nos às mil maravilhas. Uma originalidade banal, mas elegante e eficiente.

A segunda parte foi representada a dois num café local que servia uns pratos simples à hora do almoço e cujo verdadeiro nome me escapou completamente. Conhecíamo-lo pelo Vermelhinho, a cor dominante naquele espaço simpático e ambiente familiar que a austeridade de memória da troika fechou e o confinamento imposto pelo covid-19 impediu de reabrir. A temática da personalidade e existência de deus ter-nos-á surgido por um qualquer motivo que agora me escapa. Em contrapartida, a alusão à Servidão humana de Somerset Maugham é fácil de apontar pela parte que me toca. Trata-se, aliás, dum dos livros da minha vida, como  referi várias vezes aqui neste espaço e me escuso de repetir. Sem me querer alongar muito no assunto, direi que passados os verdes anos e instalado na geração grisalha, mantenho as opiniões então proferidas. De facto, certos juízos que quando se traçam são difíceis de alterar ou impossíveis de afastar.