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| Marie-Pierre Jan, Spirale (2019) [Artmajeur] |
O LIVRO DE MILENE
«Como o próprio tio às vezes dizia, num futuro próximo, a Democracia teria de ser revista.»Lídia Jorge, O vento assobiando nas gruas (Lx.: Dom Quixote, 2002., xxi, 453)
Deitei-me na noite da viragem de ciclo da ditadura para o da liberdade a ouvir o Rádio Clube Português. Como desliguei o transístor a pilhas lá pela 1:00h da manhã, deixei fugir a leitura do primeiro comunicado do MFA às 4:26h, altura em que já dormia profundamente o sono dos justos. Nessa mesma noite, passou-me também ao lado a difusão das duas senhas cantadas da revolução: «E depois do adeus», às 22:55h da véspera, pelos Emissores Associados de Lisboa, posto que não costumava sintonizar; e «Grândola, vila morena», às 0:21h da madrugada do 25 de abril, pela Rádio Renascença.
Sobre o que vivenciei nesse dia já o relatei aqui. Levantei-me cedo em Campo de Ourique, percorri o Rato e o Príncipe Real a passos largos, atravessei o Bairro Alto de ponta a ponta e adentrei-me em Santa Catarina. Foi aí que as portas se abriram de par em par e me dei conta que a revolução já andava nas ruas em liberdade e de braços abertos. Na madrugada do dia de hoje, ignoro como decorrerá daqui para a frente. Prevejo que algumas vozes dissonantes ecoarão a reclamar por cartilhas antigas que os analistas mediáticos debitarão mesmo de olhos fechados nas próximas semanas.
Uma meia centena de saudosistas empedernidos dos tempos da outra senhora ocuparam vitoriosos as bancadas da Assembleia da República, desejosos de a muito curto prazo restaurarem a antiga Assembleia Nacional de triste memória que tanto custou a derrubar. A alternância dos ciclos políticos são naturais em liberdade, assim a viragem radical de há meio século não corresponda a uma viragem radical de sentido inverso nos nossos dias. Que as sionistrogiras e as dextrogiras periódicas se façam de modo espiralado aberto em tudo contrário ao modo circular fechado e Abril vencerá.
Uma feliz recordação de ter vivido em pleno o 25 de Abril, Prof! Na véspera, deitei-me relativamente cedo pois ia trabalhar no dia seguinte. De manhã, não liguei a rádio para não incomodar os que ainda dormiam, pelo que estranhei que o posto da GNR estivesse fechado em Campo de Ourique, por volta das 9h quando ali passei. Na rua, quase vazia de gente, os autocarros passavam esporadicamente. No trabalho, onde grande parte dos colegas tinha comparecido, ficámos a conversar. Não foi surpresa de todo pois havia quem me tivesse soprado notícias sobre os movimentos de insatisfação quanto ao estado do país, mormente devido à absurda guerra colonial. Regressei a casa a meio da manhã, sem me atrever a sair às ruas em ebulição, como fizeram os meus irmãos mais novos. É que eu também estava em processo de gestação, grávida de quase oito meses. Foi um dia inesquecível, em que aprendi mais um pouco sobre a natureza humana. A cobardia dos que se sentem ameaçados no poder que julgavam eterno, ou a cobardia dos que julgam ter conquistado o poder incondicional sobre os seu próximo, é abominável. Há que lutar sempre para que a democracia não se desvirtue!
ResponderEliminarL’image de la spirale est un complément superbe du texte, qui à son tour est magnifique!!!
ResponderEliminarMerci, Isabel ! Avril m'inspire...
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