21 de março de 2018

Luis Sepúlveda e a sabedoria do velho que lia romances de amor

«Antonio José Bolívar Proaño dormía poco. A lo más, cinco horas por la noche y dos a la hora de la siesta. Con eso le bastaba. El resto del tiempo lo dedicaba a las novelas, a divagar acerca de los misterios del amor y a imaginarse los lugares donde acontecían las historias.»
Luis Sepúlveda, Un viejo que leía novelas de amor (1989)
Mais de cinco milhões de exemplares vendidos. Nem menos. Assim reza a capa da edição de bolso que me serviu de prancha de lançamento para a descoberta do mais celebrado título de Luis Sepúlveda, O velho que lia romances de amor (1989). Como a grandeza dum livro não se mede nem pelo número de páginas que o autor compôs, nem pelo número de exemplares que o editor vendeu, resolvi tirar as teimas e lançar-me à leitura da obra, do anunciado e publicitado bestseller chileno. Como não gosto de alimentar preconceitos, estou confiante que este tipo de texto também pode ter qualidade. Depois, gostaria de continuar a confiar no Plano Nacional de Leitura, especialmente recomendado com a marca LeR+.

O argumento é simples de traçar e deixa-se resumir em poucas palavras. Fala-nos dum homem que encontrou um universo de referências mágicas encerradas nas páginas dos livros, todas elas à espera de serem percorridas lentamente pelo olhar atento de alguém que lhes dê a liberdade merecida. Antonio José Bolívar Proeño, o velho que lia romances de amor, elegeu aqueles que contam a história de duas pessoas que se conhecem, se amam e lutam por vencer as dificuldades que as impedem de ser felizes. Nada mais. Fê-lo conscientemente, depois de ter afastado outras temáticas menos tentadoras, menos reveladoras de verdades absolutas a que o seu estado de espírito sequioso de paz interior aspirava e a beleza feito de palavras escritas lhe transmitiam. No final de cada uma dessas viagens solitárias pelo mundo insondável da fantasia, o resultado é sempre o mesmo. Embriagante, inexcedível, insuperável. O mais extraordinário, é que se apercebeu que o acto de ler se podia repetir uma porção indescritível de vezes. A biblioteca que albergava essa fonte de prazer era inesgotável, fascinante, única. Sempre pronta para receber de braços abertos um amigo e lhe revelar os seus mistérios mais secretos.

O mesmo se não pode dizer, com a mesma propriedade, dos recursos naturais oferecidos, desde o início dos tempos, por esse paraíso terrestre em que a ação central do romance real que temos entre mãos se desenrola. A região amazónica, dadora incansável de vida, que a ciência das tribos nativas aprendeu a respeitar e a preservar como dádiva divina e a insensatez dos colonos forasteiros teima em avaliar e tratar como praga diabólica. Ao mundo selvagem dos indígenas aborígenes opõe-se o mundo civilizado dos alienígenas invasores. Pura ironia do autor. A forma pessoal que encontrou para denunciar os atropelos ecológicos que os seres humanos têm causado a esse imenso pulmão/coração da terra que ele tão bem conhece e como poucos tem defendido. A caça desenfreada ao grande gato malhado, à onça feroz que havia dado a morte a quatro exploradores do imenso sertão americano, acaba por ser perpetrada pelo protagonista da fábula. Não com o intuito fugaz de cometer um ato de vingança para com os companheiros desaparecidos, mas com a intenção firme de prestar um ato de justiça piedosa para com a fera ferida e espoliada do seu habitat natural pela cobiça desenfreada dos homens. É que antes de ter começado a ler histórias de amores fingidos, tinha aprendido com os Shuaras os segredos mais profundos da floresta e dos seres viventes que nela habitam. Tinha logrado ser como eles, mas nunca tinha conseguido ser um deles. Um mero pormenor de percurso com efeitos colossais. Por isso matara com uma arma de fogo e não com um dardo envenenado. Por isso lançara o corpo morto do felino às águas revoltas do rio e o viu afundar-se sem glória. Por isso se pôs a andar na direção de El Idilio, da sua choça e dos seus romances, que falavam de amor com palavras tão bonitas que às vezes lhe faziam esquecer a barbárie humana.

Lido o livro, aumentada uma unidade à cifra astronómica de volumes vendidos (quiçá lidos), declaro-me rendido às lições do texto. Espero que este meu encanto incondicional pela novelita seja contagioso e arraste muitos outros amantes das palavras bonitas a juntarem-se ao rol de todos aqueles que também gostam de ler romances de amor e demais géneros literários que a engenho e arte foi criando ao longo dos tempos, para proveito e deleite de todos nós.

NOTA
Trago para este espaço de leituras e escritas um texto tornado público na Pátio de Letras no início da década. Faço-o na momento em que se inicia a primavera no hemisfério norte, que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura - FAO instituiu como Dia Internacional das Florestas e que a UNESCO designou como Dia Mundial da Poesia. A temática tratada na romance assim o justifica.

9 comentários:

  1. Muito bom. Li do autor apenas um título, gostei muito. Também achei curioso a coincidência de datas.

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  2. Belo texto, Prof.! Duas espécies de amor bem entrelaçadas, sendo de louvar o destaque ao amor pela natureza neste mundo tão maltratado...

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  3. O primeiro livro que li de Luis Sepúlveda e fiquei «agarrada». E apesar de já ter lido vários e ter gostado de todos, este e «Patagónia Express» posso dizer que são os meus preferidos.

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  4. Quando os dias forem maiores, vou à procura do «Patagónia Express», para ampliar os meus horizontes de leitura pelos universos da escrita...

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  5. Ana Cristina Cardoso Reis2 de abril de 2018 às 16:38

    Sublime e intemporal.

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  6. Dois anos depois, da leitura de "Patagónia Express" segui para "Diário de um killer sentimental" e "O velho que lia romances de amor", encontrando sempre uma narrativa límpida e humana que me encantou.
    De Luís Sepúlveda, um resistente até o último suspiro, fica-nos a herança dos seus livros que nos denunciam a sua capacidade infinita de sonhar, mormente num mundo melhor, numa sociedade mais justa.

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  7. Nunca li Sepúlveda, sou muito reticente aos sulamericanos e a best sellers. Senti-me intelectualmente e emocionalmente apanhada ao dizeres "como não gosto de alimentar preconceitos...". Será um preconceito, interroguei-me. E pensei, pensei em argumentos... é mesmo um preconceito . E não gosto de preconceitos como é que nunca me interroguei??!! E continuei a leitura deste texto tão bem escrito que ainda não sei se fiquei mais cativada pela sua beleza ou se e também pela substância! Acho que vou mesmo iniciar-me em Sepúlveda. Obrigada Artur e parabéns pelo magnífica escrita, que prazer.

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  8. Uma história apaixonante, com uma forte mensagem ambiental, que nos transporta ao coração da Amazónia e nos alerta para os perigos da destruição das suas florestas, mas ao mesmo tempo nos faz crer no poder que todos temos para sonhar e construir uma sociedade melhor. Um escritor que escrevia emoções e partilhava com os leitores o seu ponto de vista para o levar a pensar, e nunca a dar lições de moral, (segundo informação do próprio).

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  9. Silvia Schiermacher4 de maio de 2020 às 11:02

    Tive o prazer de o conhecer aqui em Copenhaga... Que pena!

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