«“Who’s Miranda?” But the young man had evidently not heard the question. “O wonder!” he was saying; and his eyes shone, his face was brightly flushed. “How many goodly creatures are there here! How beauteous mankind is!” The flush suddenly deepened; he was thinking of Lenina, of an angel in bottle-green viscose, lustrous with youth and skin food, plump, benevolently smiling. His voice faltered. “O brave new world,” he began, then suddenly interrupted himself; the blood had left his cheeks; he was as pale as paper. […] “O brave new world,” he repeated. “O brave new world that has such people in it.»
Umberto Eco deixou registado no I mondi della fantascienza ‒ versão reduzida duma comunicação de 1984, proferida em Roma num convénio sobre ciências e ficção científica* ‒ a circunstância de toda a criação literária se basear na delineação de mundos estruturalmente possíveis, fixando uma linha nem sempre nítida entre as condições factuais do mundo real e as contrafactuais do mundo imaginado. Essa fronteira torna-se particularmente visível em todos os relatos situados em cenários diferentes do nosso universo de referências quotidianas. Por outras palavras, aceitar, v.g., a existência possível de mundos alternativos (alotopias), paralelos (utopias), modificados (ucronias) ou antecipados (metatopias e metraconias), como variantes teóricas dos domínios tradicionais do maravilhoso, o palco privilegiado de ilusões consentidas, aquele onde se podem representar histórias fingidas como se fossem verdadeiras.
Aldous Huxley inscreve toda a tessitura narrativa do Admirável mundo novo (1932) na órbita genérica polifacetada proposta pelo semiólogo e romancista italiano supra considerado, máxime no desenho duma sociedade futura totalitária fixada num Estado Mundial, fadada a fruir uma felicidade plena, modelar e perfeita, sem passar pelas agruras duma infelicidade malfeita, penosa e imperfeita. A predestinação dos cidadãos é instituída desde o momento da conceção in vitro no Centro de Incubação e de Condicionamento e o livre-arbítrio abolido desde o nascimento até à morte confortável num Hospital para Moribundos. Tudo se passa no decorrer dum aparente paraíso eutópico de seres autónomos superiores para um autêntico inferno distópico de seres autómatos inferiores. A pertença a uma dada casta social baseada na inteligência (Alfas-Betas-Gamas-Deltas-Epsilões), aceite de modo incondicional por todos, representa a espinha dorsal reinante nesse vindouro ano de 632NF/2540EC, aquele em que a divisa estatal da Comunidade ‒ Identidade ‒ Estabilidade da Era de Nosso Ford se faz sentir em toda a sua integridade absoluta e imutável.
William Shakespeare salta do âmbito do teatro isabelino para a esfera do modernismo britânico e torna-se, de supetão, no mentor maior dum dos romances mais emblemáticos compostos durante a Grande Depressão (1929-1939), também tido como num dos precursores do movimento cyberpunk ou de enfoque crítico à alta tecnologia e à baixa qualidade de vida. Este processo de transferência temática, pautado por mais de três séculos de devir estético e literário, ganha visibilidade logo no título adoptado pelo texto mais recente, o admirável mundo novo descrito na Tempestade (1610-1611), uma das derradeiras peças urdidas pelo dramaturgo, situada numa ilha remota envolta no espírito das criaturas extraordinárias ali residentes. Acresce serem todas elas feitas da mesma substância dos deuses e estarem sujeitos às maquinações manipuladoras dum mago senhor de amplos poderes encantatórios, com os quais os imensos avanços científicos espargidos na utópica civilização ultraestruturada não cessam de surpreender os leitores dos nossos dias, mormente a eugenia reprodutiva, a hipnopedia continuada, a persuasão química, psicológica e subconsciente ou o comportamento condicionado.
Henry Ford converte-se, por sua vez, na figura de fundo fulcral desta fábula premonitória do porvir, com o estatuto messiânico quase divino de fundador duma nova ordem mundial, por ter popularizado na velha em que vivia os princípios básicos da linha de montagem, i.e., a massificação, a homogeneidade, a previsibilidade e o consumismo. Como contraponto desta entidade factual pretérita, junte-se a dupla ficcional formada pelo Alfa-Mais Bernardo Marx e pelo Selvagem John, oriundos do paradisíaco Mundo Novo sediado em Londres e do infernal Malpaís mantido como reserva no Novo México. Ambos se opõem às normas do regime totalitário impostas a nível global. O primeiro, por ter sido decantado com uma dose errada de álcool no pseudossangue, geradora dum condicionamento social deficiente; o segundo, por se sentir um intruso tanto na civilização primitiva onde nascera, como na moderna que o acolhera. A resistência destes dois dissidentes à ditadura do mundo perfeito de inspiração populista é aproveitada magistralmente pelo autor, para reduzir ao absurdo o sonho quimérico das sociedades tidas como modelo das demais, obtendo como resultado final a obra magna do romance distópico. Assim o ajuízam muitos dos seus leitores em cujo número me incluo, tornando este texto decididamente um dos livros da minha vida.
"Quando o mundo estremeceu", de H.Rider Haggard, insere-se neste quadro distópico. Um suposto deus que defende a superioridade da sua casta e tudo faz para dizimar os que se lhe opõem, tanto no mundo antigo mas hiper desenvolvido onde viveu, como no mundo moderno mas menos inteligente em que acordou após sono induzido de milhares de anos. Leitura que reconforta, em tempos onde regimes ditatoriais continuam a persistir... Terei de ir repescar "O admirável mundo novo" nas estantes...
ResponderEliminarFiquei com curiosidade do teu H. Rider Haggard e já fiz uma pequena pesquisa na Net para saber um pouco mais as razões pelas quais e «Quando o mundo estremeceu». Pareceu-me particularmente curiosa a aproximação duma utopia clássica, feita da associação de componentes eutópicas vindas dum passado remoto com as ameaças distópicas verificadas num presente recente e a porem em risco um porvir incerto. Vou tentar a ligação em linha oferecida pelo Projeto Gutenberg, não só por ter fortes dúvidas de encontrar a obra numa livraria aqui do burgo, mas sobretudo por ter deixado há muito de ter espaço para dar abrigo a mais livros cá em casa. O pior para os olhos dum sénior é mesmo a leitura continuada num portátil…
EliminarSi he leido a Aldous en otro estilo es como Julio Verne...un futurologo
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