«C'est ça donc la Nausée: cette aveuglante evidence? Me suis-je creusé la tête! En ai-je écrit! Maintenant je sais: J'existe - le monde existe - et je sais que le monde existe. C'est tout. Mais ça m'est égal. C'est étrange que tout me soit aussi égal: ça m'effraie.»Jean-Paul Sartre, La Nausée (1938)
Na viragem dos anos 60 para os 70, cruzei-me com um clássico da filosofia ficcionada que durante algum tempo se candidatou àquela lista do livro da minha vida. As leituras que se seguiram desde então têm vindo a selecionar outros pretendentes ao podium e sido sucessivamente descartados um a um, deixando atrás de si uma marca indelével tão forte como a provocada por aquele a que agora me refiro, A Náusea (1938) de Jean-Paul Sartre, composta pelo grande teórico francês do existencialismo ateu nas vésperas da Segunda Guerra Mundial.
A fixação no texto deveu-se ao modo como o jovem leitor que eu então era se identificou com as reflexões que o protagonista-narrador lá foi tecendo nas páginas dum diário pessoal. O ser e o nada, a consciência e a contingências, a existência e a essência. A busca dos momentos perfeitos para superar a sensação de vazio, de abismo, de náusea. Durante algum tempo fui existencialista. Depois passou-me. No meio de tanta solidão, silêncio e angústia, achei por bem virar a página desses tempos vestidos de negro e passar à descoberta da vida.
O contacto com outras visões alternativas de explicar o absurdo da existência humana ajudaram-me a tomar essa decisão. A frequência dum curso livre levou-me a considerar esta corrente do pensamento contemporâneo como uma verdadeira filosofia de desocupados, cultivada por quem não tem nada que fazer nem faça ideia do que isso seja ou possa ser. Desliguei. Durante anos tentei ocupar o tempo a preencher os espaços situados entre o ócio e o negócio. Evitar a todo o custo a tendência de cair num abismo de tédio feito de coisa nenhuma.
Triplicada a idade que tinha na altura, a náusea voltou. Diferente. O vómito vem agora de mão dada com o excesso de trabalho. A con-versa da treta, a banha da cobra, as guerras de alecrim e manjerona imperam. Abyssus abyssum invocat. A vertigem instala-se. O dolce far niente acena-me. Já retirei o velho romance de Sartre da prateleira. Já lhe limpei o pó. Já comecei a viajar pelas linhas e entrelinhas que lhe dão forma. Quem sabe se no final do percurso me revele os mistérios insondáveis da condição humana, as tais que habitam o tudo e o nada.