SÃO CRISPIM E SÃO CRISPINIANO[Painéis centrais dos Painéis de São Vicente] |
Já então eu publicara na revista O mundo português a descoberta de que, ao contrário do que se pensava, existiam sim dois santos, que tinham as condições requeridas para poderem ser os santos dos Painéis. | Eram dois e estavam ligados à história da conquista de Lisboa aos mouros [...] (A) hipótese de se tratar dos santos Crispim e Crispiniano, irmãos mártires gémeos e primeiros padroeiros de Lisboa, por ter tido na véspera do seu dia que a cidade fora conquistada aos mouros, e no seu dia, 25 de outubro, que D. Afonso I entrara na cidade.Theresa Schedel de Castello Branco
Os painéis de S. Vicente de Fora. As chaves do mistério
Lisboa: Quetzal, 1994, 118-119
Muito se tem dito sobre as sessenta personalidades representadas no Políptico das Janelas Verdes (c. 1470), um conjunto de seis tábuas pré-renascentistas, atribuídas a Nuno Gonçalves (séc. xv) e geralmente referenciado por Painéis de São Vicente. A oscilação na titulação da pintura quatrocentista advém das dúvidas persistentes que a sua interpretação tem suscitado desde a sua descoberta ocasional no Mosteiro de São Vicente de Fora e do seu depósito no Museu Nacional de Arte Antiga ou das Janelas Verdes.
Há quem queira, todavia, associar a obra a São Vicente de Huesca (séc. iv), martirizado em Valência, no tempo do imperador romano Diocleciano. O que nunca ficou esclarecido pelos defensores desta tese é a razão da dupla figuração nos painéis centrais. As hipóteses alternativas pecam pela mesma dificuldade e acrescentam outras. Poderemos questionar-nos até que ponto se torna credível optar por Santo Estêvão, Santa Catarina, Santiago Menor, Infante Santo D. Fernando ou mesmo por um arauto da Era do Espírito Santo.
O número global de individualidades arroladas é difícil de contar, centrando-se sobretudo nos diversos membros da Casa de Avis, com um especial enfoque no misterioso Senhor do Chapeirão, a quem se continua a chamar insistentemente de Infante D. Henrique. Os casais reais constituídos por D. Duarte e D. Leonor de Aragão ou por D. Afonso V e Isabel de Coimbra, bem como o Príncipe Perfeito D. João II e a Princesa Santa D. Joana, concorrem entre si para ocupar um espaço privilegiado no retrato áulico de grupo.
A aceitação do duplo santo no retábulo pode justificar-se por ter sido achado na primeira igreja edificada fora da cerca moura. D. Afonso Henriques até converteu São Vicente em padroeiro de Lisboa em 1173, quando trasladou as suas relíquias para a futura capital do reino. Acontece que em 1147 já oferecera o padroado da cidade a São Crispim e São Crispiniano, por ter sido no seu dia que entrara em Lixbuna. Dois gémeos idênticos, aí está uma boa solução para o enigma fulcral da obra-prima da pintura nacional.