18 de outubro de 2017

Surrealismos duma admiração interrogativa

DISCUSSÃO

– Desconfio que a democracia não resulta. Juntam-se astronautas, bodes, camponeses, galinhas, matemáticos e virgens loucas e dão-se a todos os mesmos direitos. Isso parece-me um erro cósmico. Desculpa.
Desculpei mas fiquei ofendido. Que a democracia era aquilo mesmo, e ainda com conversa fiada como brinde, isso sabia eu. Que mo viessem dizer, era outra coisa. Fiquei ainda mais ofendido, até porque não gosto de erros cósmicos. Acho um snobismo.
– Eu sou democrático – rugi entre dentes, como resposta. – Tenho amigos no exílio, todos democráticos. Foram para lá por serem democráticos. É um sacrifício que poucos fazem, ir para o exílio e ser professor universitário exilado e democrático. Eras capaz de fazer isso?
– Não sou democrático.
Não havia resposta a dar. Nenhuma. Ele não era democrático, não sabia de democracia.
Eu sim, sou democrático, até quis ir à América, que me afirmaram que lá é que é a democracia. Recusaram-me o visto no passaporte, disseram que eu era comunista! Viram isto!?
Mário-Henrique Leiria, Contos do Gin-Tonic (1973)

2 comentários:

  1. Há quem não saiba o que é democracia...

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  2. Dilema bem real da democracia esse de ter de admitir a existência dos antidemocratas e saber, simultaneamente, combatê-los dentro das regras da liberdade...

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