«—Pues eso es lo importante en esta vida: a ninguno nos complace la humillación o la sumisión; el problema es saber cómo escapar de ellas.»Ildefonso Falcones, Los herederos de la tierra (2016)
Os recentes acontecimentos vividos na Catalunha apanharam-me a meio da leitura dum livro centrado na Barcelona medieval e nos problemas que o Principado teve de enfrentar após a morte de Martim I (1410) sem deixar um sucessor legítimo. Extraordinária coincidência esta, a de cair por acaso nos capítulos que tratam das deliberações do Compromisso de Caspe (1412), aquele que entregaria a Coroa de Aragão a Fernando de Antequera, um infante de Castela da Casa de Trastâmara, em detrimento dos restantes candidatos, os condes de Luna e de Urgel e os duques de Calábria e de Gândia. A recreação literária de factos acontecidos e fantasiados apareceu-me associada num evento registado pelas crónicas coevas do início do século XV com repercussões muita vivas no início do XXI. Uma independência que se começava então a perder e que se pretende agora recuperar. De modo involuntário, Ildefonso Falcones conseguiu elucidar-me da fisionomia histórica do país que o viu nascer e tão bem tem sabido descrever nas páginas dos romances que lhe tem dedicado, como será o caso deste que acabo de visitar, Os herdeiros da terra (2016).
As velhas usatges, ou costumes e normas de funcionamento próprios dos condados catalães, estabelecidos nos tempos da rainha Petronila de Aragão e do conde Ramon Berenguer IV de Barcelona, são frequentemente referidos ao longo das quase novecentas páginas que compõem a obra. Entre janeiro de 1387 e setembro de 1423, o cronista do relato põem-nos ao corrente dos percursos de vida chamados à liça pelos eixos centrais e laterais da trama narrativa. Cerca de quatro décadas de destinos cruzados na teia urbana medieval da Cidade Condal, tendo como cenários privilegiados as ruas e ruelas, praças e ramblas que a formam e conformam, em conventos e mosteiros, palácios e casebres, igrejas e capelas, hospitais e hospícios, caves e tabernas, masias e castells, em ambiente aristocrata e popular, em espaços públicos e privados, nas judiarias e no burgo cristão em geral, sempre à sombra das grandes instituições reais e principescas do Consell de Cents, das Corts Generals, do Consulat del Mar e da Generalitat.
O novo bestseller das letras hispânicas foi apresentado aos seus potenciais leitores como uma continuação da saga de Arnau Estanyol, o bastaix que ajudou a construir a basílica de Santa Maria, A catedral do mar. Essa notação editorial encontra-se registada na contracapa da obra, que pouco mais avança sobre o enredo, que nos será transmitidos à medida que a ação vai sendo revelada. Os episódios sucedem-se uns aos outros a um ritmo vertiginoso. Falam-nos do mar e da terra, da lealdade e da traição, da vingança e do amor, da dor e da justiça, arrumados aos pares, nas quatro partes da vida de Hugo Llor, o herói da fábula e representante por excelência d'Os herdeiros da terra. Escravos e libertos, mouros e judeus, camponeses e vilões, conversos e contumazes, arraia-miúda e pés-descalços. Nada mais. A nobreza aragonesa, valenciana e catalã, associada à maiorquina e siciliana, assume o papel ingrato de má-da-fita. A plebe sem nome de família destes mesmos reinos e principado acaba por assumir o papel devido de vencedora de todos os conflitos postos em jogo.
O real e o imaginário cruzam-se neste relato de relatos, individuais e coletivos, nesta crónica dum tempo pretérito cujos ecos longínquos lograram chegar aos nossos dias, cujo legado se concentra na demanda sem tréguas pela liberdade. Esse o sonho do protagonista, aquele que o fez desempenhar ao longo dos anos de infância, jovem e adulto os ofícios de moço de recados dos estaleiros militares e privados, moço de gateiro caçador de ratos, leiloeiro e corretor de vinhos, vinhateiro ganhão, adegueiro condal e real, jornaleiro e taberneiro, para além de cúmplice de corsário e espião de estado. Descreve um percurso existencial muito próximo do traçado pelos pícaros literários dos séculos de ouro peninsulares. Sobrevive a todas as dificuldades que o destino lhe oferece e logra sempre sair por cima. Exemplarmente. As guerrilhas de interesse entre Bernat Estanyol e Roger Puig chegam ao fim com a morte dos dois. Só o núcleo familiar de Hugo Llor sobrevive a ventos e marés da fortuna. Preparado para dar continuidade a uma nova sequela, a publicar, quiçá, dentro duma dezena de anos, para deleite dos leitores e proveito dos editores.
As velhas usatges, ou costumes e normas de funcionamento próprios dos condados catalães, estabelecidos nos tempos da rainha Petronila de Aragão e do conde Ramon Berenguer IV de Barcelona, são frequentemente referidos ao longo das quase novecentas páginas que compõem a obra. Entre janeiro de 1387 e setembro de 1423, o cronista do relato põem-nos ao corrente dos percursos de vida chamados à liça pelos eixos centrais e laterais da trama narrativa. Cerca de quatro décadas de destinos cruzados na teia urbana medieval da Cidade Condal, tendo como cenários privilegiados as ruas e ruelas, praças e ramblas que a formam e conformam, em conventos e mosteiros, palácios e casebres, igrejas e capelas, hospitais e hospícios, caves e tabernas, masias e castells, em ambiente aristocrata e popular, em espaços públicos e privados, nas judiarias e no burgo cristão em geral, sempre à sombra das grandes instituições reais e principescas do Consell de Cents, das Corts Generals, do Consulat del Mar e da Generalitat.
O novo bestseller das letras hispânicas foi apresentado aos seus potenciais leitores como uma continuação da saga de Arnau Estanyol, o bastaix que ajudou a construir a basílica de Santa Maria, A catedral do mar. Essa notação editorial encontra-se registada na contracapa da obra, que pouco mais avança sobre o enredo, que nos será transmitidos à medida que a ação vai sendo revelada. Os episódios sucedem-se uns aos outros a um ritmo vertiginoso. Falam-nos do mar e da terra, da lealdade e da traição, da vingança e do amor, da dor e da justiça, arrumados aos pares, nas quatro partes da vida de Hugo Llor, o herói da fábula e representante por excelência d'Os herdeiros da terra. Escravos e libertos, mouros e judeus, camponeses e vilões, conversos e contumazes, arraia-miúda e pés-descalços. Nada mais. A nobreza aragonesa, valenciana e catalã, associada à maiorquina e siciliana, assume o papel ingrato de má-da-fita. A plebe sem nome de família destes mesmos reinos e principado acaba por assumir o papel devido de vencedora de todos os conflitos postos em jogo.
O real e o imaginário cruzam-se neste relato de relatos, individuais e coletivos, nesta crónica dum tempo pretérito cujos ecos longínquos lograram chegar aos nossos dias, cujo legado se concentra na demanda sem tréguas pela liberdade. Esse o sonho do protagonista, aquele que o fez desempenhar ao longo dos anos de infância, jovem e adulto os ofícios de moço de recados dos estaleiros militares e privados, moço de gateiro caçador de ratos, leiloeiro e corretor de vinhos, vinhateiro ganhão, adegueiro condal e real, jornaleiro e taberneiro, para além de cúmplice de corsário e espião de estado. Descreve um percurso existencial muito próximo do traçado pelos pícaros literários dos séculos de ouro peninsulares. Sobrevive a todas as dificuldades que o destino lhe oferece e logra sempre sair por cima. Exemplarmente. As guerrilhas de interesse entre Bernat Estanyol e Roger Puig chegam ao fim com a morte dos dois. Só o núcleo familiar de Hugo Llor sobrevive a ventos e marés da fortuna. Preparado para dar continuidade a uma nova sequela, a publicar, quiçá, dentro duma dezena de anos, para deleite dos leitores e proveito dos editores.