Sandro Botticelli |
Mal entramos numa das amplas salas do Museu de Belles Arts de València, somos surpreendidos pelo olhar altivo de Michele Marullo Tarcaniota (1453-1500), captado pelo olhar indiscreto de Sandro Botticelli. Olha-nos de revés, com cara de poucos amigos, como se quisesse perguntar a quem o olha o que é que o retrato dum poeta, militar e humanista italiano com raízes greco-bizantinas, como ele, ali está a fazer exposto naquele espaço aberto aos olhares estranhos de quem entra e sai, sem se interessar para quem de facto está a olhar. Vontade muda de gritar ter sido olhado em primeiros olhares em Constantinopla, durante o assédio otomano à cidade capital do Império Romano do Oriente e derradeiro bastião da Idade Média europeia. Lenda rebatida por um ou outro olhar de passagem por ali que o olharia em silêncio olhos nos olhos e corrigiria que, de facto, o soldado da fortuna quatrocentista teria olhado e sido olhado pelo mundo não muito longe da antiga Esparta helénica do Poloponeso.
Aquele que palmilhou ½ Itália enquanto ser vivente de corpo inteiro e ½ mundo após o trespasse reduzido a um busto pintado a ¾ numa tela de 49x36cm. Quantos olhares se terão cruzado com o olhar fechado com que agora nos olha. Difícil de contar. Olhares alheios olhados desde o centro daquela moldura dourada a iluminar o rosto sombrio e vestuário negro destacado sobre um fundo de céu azul acinzentado. O retrato desse vulto singular da cultura renascentista, aquele que mereceu a proteção dos Médici de Florença, é lembrado nos dias de hoje graças a um olhar enigmático de aristocrática sobranceria que a paleta inspirada de Sandro Botticelli lhe conferiu no apogeu da sua veia criativa. Olhar que deixou os Guardans Cambò de Barcelona totalmente rendidos, levando-os a integrá-lo na sua coleção, emprestada até 2024 à pinacoteca maior da Generalitat Valenciana. É aí que o seu olhar se questiona sobre as próximas etapas das suas peregrinações pelo universo museológico mundial.
Que estória bem contada. Gostei muito do que “viu” além da magnífica tela…
ResponderEliminarE de tantas potenciais histórias que o Museu de Belles Arts de València tem para nos contar, foi logo esta que captou a minha atenção.
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