Maria Helena Vieira da Silva
La bibliothèque - 1966
[Centre Pompidou, Paris - Musée des Beaux-Arts, Nantes]«A biblioteca ‒ que em duas salas, amplas e claras como praças, forrava as pare-des, inteiramente, desde os tapetes de Caramânia até ao teto de onde, alternada-mente, através de cristais, o sol e a eletricidade vertiam uma luz estudiosa e cal-ma ‒ continha vinte e cinco mil volumes, instalados em ébano, magnificamente revestidos de marroquim escarlate. Só sistemas filosóficos (e com justa prudên-cia, para poupar espaço, o bibliotecário apenas colecionara os que irreconcilia-velmente se contradizem) havia mil oitocentos e dezessete!Uma tarde que eu desejava copiar um ditame de Adam Smith, percorri, bus-cando este economista ao longo das estantes, oito metros de economia política! Assim se achava formidavelmente abastecido o meu amigo Jacinto de todas as obras essenciais da inteligência ‒ e mesmo da estupidez. E o único inconvenien-te desse monumental armazém do saber era que todo aquele que lá penetrava, inevitavelmente lá adormecia, por causa das poltronas, que, providas de finas pranchas móveis para sustentar o livro, o charuto, o lápis das notas, a taça de ca-fé, ofereciam ainda uma combinação oscilante e flácida de almofadas, onde o corpo encontrava logo, para mal do espírito, a doçura, a profundidade e a paz estirada dum leito.»Eça de Queiroz, Civilização (1892)
Pouco a pouco, passo a passo, pé ante pé, os livros vão-se reunindo em surdina nos locais mais díspares onde ainda vão cabendo, em fila de espera para serem lidos e arrumados, lado a lado, por tamanhos e temáticas, uns à frente outros atrás, uns por cima outros por baixo, uns de pé outros deitados, até empilhados pelo chão a aguardar impacientes um alojamento adequado e à medida.
Livros comprados, dados, herdados, editados, repetidos, compostos em vários idiomas. Livros pedagógicos que insisto em manter não sei muito bem porquê ou para quê. Livros lidos e relidos, recebidos por legado direto/indireto de amigos que começaram a desfazer-se das suas bibliotecas pessoais ao sentirem chegar o momento de dizer adeus. Uma vida a reuni-los, uma morte a separá-los.
Não sei se te lembraste de António Lobo Antunes ou da dedicação do seu livro a Sá de Miranda, "vindo do séc XVI para lhe oferecer o título", mas o facto é que me lembraste também da minha preocupação com os meus livros, que tanto gostaria de oferecer a uma biblioteca da minha terra pobrezinha!
ResponderEliminarContinuação de felizes releituras, a mim tão sonegadas pela traiçoeira vista...
O que me levou a compor este texto foram mesmo os 25 000 volumes da biblioteca do Jacinto da «Civilização» e dos 30 000/70 000 de «A cidade e as serras», o conto e o romance de Eça de Queirós que me puseram a pensar no caráter efémero duma coleção de livros feita ao longo da vida e desfeita no final da mesma. Quando olho para os meus e me pergunto qual será o seu destino, mas prefiro retomar a sua leitura antes de obter uma resposta que me parece demasiado óbvia e inevitável. Sorte a minha de manter a capacidade invejável de continuar a usufruir da sua companhia sempre que os abro e continuar a viajar através deles levado nas asas da imaginação…
EliminarOs meus eternos companheiros.
ResponderEliminarTentarei doar a quem deles necessite, mas, procuro não pensar muito no assunto. Tenciono desfrutar dos meus amigos até ao fim dos meus dias, sabendo de antemão que não viverei anos suficientes para ler todos os livros que desejo, incluindo as novidades que gostaria de descobrir…
ResponderEliminarÉ a mesma atitude que pretendo seguir, só lamento ter esgotado o espaço físico que me impede para juntar mais livros e dos emprestados não me entusiasmarem muito, por não os poder sublinhar, comentar e tê-los de reserva para os abrir sempre que me apeteça...
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