「言いたくないんなら、言わなくてもいい」と男は言った。「その代わり君が羊を探し出すんだ。これが我々の最後の条件だ。今日から二ヵ月以内に君が羊を探し出せれば、我々は君が欲しいだけの報酬を出す。もし探し出せなければ、君の会社も君もおしまいだ。それでいいか?」村上春樹, 『羊をめぐる冒険 』(1982)
Ao que consta, Haruki Murakami terá obtido o seu primeiro grande sucesso editorial dentro e fora das fronteiras insulares do Japão com o Em busca do carneiro selvagem (1982). Para quem entrou em contacto com a sua obra publicada em data posterior, as frases e páginas iniciais deste romance remetem-nos de imediato para a arte de contar muito especial deste eterno candidato ao Prémio Nobel da Literatura, galardão este que, com toda a probabilidade, nunca virá a receber. Palpites que, para o autor, pouco ou nada afetarão ou tirarão aos seus fiéis leitores, espalhados pelas várias partes do mundo, a vontade e prazer de viajar pelas histórias por si criadas ao longo dos tempos. Junta-se ao enorme rol de escritores ostracizados por Estocolmo e com mais ledores do que muitos dos distinguidos pela Academia Sueca.
O mais estranho neste texto maiormente Estranho, enquanto género teórico da literatura do insólito, é a omissão clara de sérias fugas da esfera do natural para a do sobrenatural, ao invés do verificado em títulos mais recentes. A presença dum Fantástico de hesitações seguidas no rasto das diversas variantes do Maravilhoso, nitidamente assumido, atestado e aceite, primam pela ausência. Tudo se passa num ambiente nipónico atual ‒ ou daquele em que foi captado pela ficção, centrada na década de 70 ‒, povoado por personagens sem nome próprio e apelido ou reduzido a etiquetas estereotipadas, provenientes do imaginário infantil dos contos da carochinha, nem sempre maiusculizados ou reduzidas a uma mera sigla, tais como maria-vai-com-todos, Líder Supremo, Homem Estranho, Rato, J., Condutor, Professor Carneiro, homem-carneiro, bem como ao «eu» implícito ou explícito do narrador, um jovem publicitário de Tóquio, divorciado e a caminho dos 30 anos de idade.
A badana de abertura da versão portuguesa, dado à estampa pela Casa das Letras, resume em três curtos parágrafos as linhas gerais que estruturam o relato, notas precisas que as casas distribuidoras depois registam ipsis verbis nas suas páginas de divulgação digital. Em poucas palavras, envia-nos para a tarefa detetivesca imposta ao relator-ator de encontrar um carneiro selvagem, invulgar, diferente dos demais, por exibir uma mancha de nascença em forma de estrela gravada no dorso e ser possuidor de propriedades extraordinárias que ultrapassam a compreensão humana. É certo que as oito partes e quarenta e três capítulos, enquadrados por um Prelúdio e um Epílogo, nos fornecem um número desmedido de pormenores pouco práticos de elencar neste espaço, mas que a arte do grande mestre japonês de associar palavras faz muito melhor nas mais de três centenas e meio de páginas que compõem a crónica de factos acontecidos ou tidos como tal. Leiamo-los com proveito e deleite. Não custa nada.
Na reta final do relatório investigativo redigido em forma de romance, ouvimos um dos partícipes afirmar estar morto, confissão singular de âmbito irreal até então afastado e que, à luz dos eventos até então revelados, nos leva a duvidar da sua veracidade. O predomínio dos sonhos descritos pelo fabulador leva-nos a dirigir a natureza de tal testemunho para o domínio restrito/total do imaginário onírico ou até do ilusório, causado pela solidão extrema a que se vira condenado. Coagido pelas exigências persecutórias do mandatário, sujeito às alucinações geradas por um coágulo de sangue no cérebro ou nas drogas tomadas para o debelar, o detetive forçado vê-se obrigado a achar o paradeiro do carneiro estrelado, suposto causador de todos os delírios prodigiosos, como o de invadir o corpo das pessoas, pondo ponto final às suas buscas policiais e relato das mesmas. Fá-lo à sua maneira, sem apelo nem agravo. Refaz o seu estilo de vida e prepara-se para encetar um novo capítulo da sua existência, longe agora do olhar atento dos leitores, que, ao fecharem o livro, já estarão à espera de de encontrar um outro, feito à medida única do grande criador de heróis/anti-heróis da imaginação literária.
Conheço mal a obra de Haruki Murakami, tendo apenas lido "Kafka à beira-mar", numa edição de 634 páginas. O insólito, o fantástico e o sobrenatural que caracterizam o livro não foram de leitura fácil, tendo sido um grande desafio à concentração e interpretação. Entretanto, a minha vista já não me permite mergulhar em leituras de centenas de páginas, muito menos com esta envergadura...
ResponderEliminarO «Kafka à beira-mar» é um dos meus textos favoritos do Haruki Murakami, cujo cruzamento pelos universos do fantástico me permitiram revisitar com prazer os textos teóricos de Todorov e Eco que durante tantos trabalhei com os meus alunos de literatura. Felizmente para mim que depois de me ter livrado das cataratas indesejadas me permitiram recuperar uma visão satisfatória para enfrentar as centenas de páginas de obras com esta envergadura. Se um dia perdesse a capacidade de ler seria, decerto, o abreviar dum triste final anunciado…
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