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Uvada da Estremadura |
A seu tempo vêm as uvas e as maçãs maduras...
De repente, uma lufada inesperada de cheiros, sabores, texturas, ruídos de fundo e visões duma infância distante há muito perdida surgiu-me no horizonte. Sinestesias concentradas num simples boião de uvada, encontrado por acaso no expositor duma mercearia de bairro transvertida num supermercado dos nossos dias. Peguei rapidamente num e trouxe-o para casa, não fosse alguém arrebatá-lo. O encanto duma era sumida para sempre prometia-me um encontro feliz com uma guloseima agridoce estremenha doutros tempos, espalhada generosamente numa fatia de pão saloio ou num crepe bretão acabadinho de fazer num fim de semana.
No interior dum frasco de doce de uva, relembrei o processo de confeção do precioso maná da meninice, o tal manjar quotidiano de néctar e ambrosia dos helénicos deuses olímpicos. Primeiro era a vindima depois o pisar da uva no lagar da escola agrícola, onde o meu pai trabalhava e nós brincávamos. Com o mosto assim obtido e com a adição duns peros ali recolhidos, passava-se à preparação em lume brando dos ingredientes a que se juntaria algum açúcar q.b. No final, a compota assim obtida era guardada em tigelas de barro bem protegidas com uma folha de papel vegetal embebido em aguardente. Tudo muito artesanal e caseiro.
Cheguei a casa, esperei uns dias, fiz umas panquecas suculentas, espalhei uma colherada generosa de uvada enfrascada e o sonho desfez-se. Abruptamente. Todo o encanto que até então me habitava partiu sem demora para outras paragens. Não deixou saudades. Os sabores, cheiros, texturas, ruídos e visões de antanho mantêm-se guardados para sempre na memória. Guardados juntamente com todas as demais reminiscências sobreviventes do meu percurso pessoal de décadas pela vida. Estão ali alojadas ao lado dos picles, tomatada, conservas, marmelada e demais conservas preparadas ano a ano na estação devida. Inamovíveis.
Já não é a mesma coisa! Salvem-se as memórias gustativas de antanho...
ResponderEliminarAs mais saborosas de todas, apesar de estarem relegadas para um universo longínquo só visitado pela imaginação...
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