«L'odio è la vera passione primordiale. È l'amore che è una situazione anomala. Per questo Cristo è stato ucciso: parlava contra natura. Non si ama qualcuno per tutta la vita, da questa speranza impossibile nascono adulterio, matricidio, tradimento dell'amico... Invece si pùo odiare qualcuno per tutta la vita. Purché sia sempre là a rinfocolare il nostro odio. L'odio riscalda il cuore.»Umberto Eco, Il Cimitero di Praga (2010)
Recordo com alguma precisão os tempos que precederam o lançamento do romance inaugural de Umberto Eco entre nós. As notícias foram-me chegando a conta-gotas e via académica através duma amiga minha e discípula do conhecido semiólogo italiano, o tal que ousara aventurar-se nos difíceis sendeiros da ficção histórica de debuxo policial. O mais fascinante d’O nome da rosa (1980) residia no facto singular de se trazer à luz do dia a descoberta do segundo livro perdido da Poética de Aristóteles, aquele que falava da comédia e do riso, modalidade dramática e atitude humana pouco apreciadas pela matriz judaico-cristã ortodoxa então imperante, mais vocacionada para os efeitos penitenciais e catárticos da tragédia e do choro. Seguiram-se-lhe outros títulos sempre sugestivos, de êxito editorial abonado e leitura estimulante assegurada. As temáticas abordadas estarão na origem deste fenómeno inusitado de bestsellers produzidos em cadeia e a nível global. A polémica filosófica do nominalismo escolástico e religiosa da cabala templária, os mistérios herméticos do ponto fixo da terra e do cosmos, as lendas-mitos medievais do Santo Graal arturiano e do Reino do Prestes João das Índias…
O cemitério de Praga (2010) é a sexta obra da série e centra-se, como as anteriores, na recriação dum momento preciso de rutura do devir histórico da Europa em geral e da Itália em particular, concretizada no processo de unificação do país, promovido à revelia do Congresso de Viena (1814-1815) e sob os auspícios da Casa de Saboia. O espaço cénico, mazzimiano e garibaldista, republicano e maçónico, carbonário e revolucionário, está todo documentado nas páginas da efabulação, labirinto de fragmentos narrativos centrados no protagonista e única personagem inventada do enredo, ilustrados com imagens da época para dar uma maior visibilidade ao relato e instrução do leitor. A informação é-nos dada pelo próprio autor e nada nos leva a duvidar da sua veracidade, muito embora esteja ancorada num texto final de «inúteis explicações eruditas» e desenhada num contexto de incontornável traçado irónico. A forma literária selecionada para dispor os factos passa pelos excertos caóticos dum diário pessoal composto pelo herói/anti-herói convocado, que, movido por uma convencional dupla personalidade, o redige em nome ora do falsário Simone Simonini ora do abade Dalla Picolla. O verso e o reverso, em suma, duma mesma entidade romanesca, marcada ao longo de todo o discurso por uma alegada «euforia amnésica» e não menor «rememoração disfórica».
Gizada à boa feição romântica do folhetim jornalístico de recorte neogótico e assente num manancial de pseudodocumentos autênticos ou habilmente falsificados, parafraseados ou comentados à exaustão, a relação ficcionada do Risorgimento italiano é também um livro que fala doutros livros, populares todos eles no seu tempo mas mesmo assim caídos no mais profundo e talvez merecido esquecimento. Excetua-se o caso paradigmático d’Os protocolos dos sábios do Sião (1905), publicado em data posterior à cronologia interna do romance, mas cuja génese doutrinária se questiona ao longo de toda a sua conceção diarística. O antissemitismo primário das instâncias narrativas, fruto de preconceitos multisseculares, agudizados por nacionalismos oitocentistas ancorados nos meandros dicotómicos do amor e morte, que o politicamente correto não conseguiu mitigar nos nossos dias de forma adequada, é constante e militante. O desconforto toma conta do leitor, levando-o a confundir os sujeitos internos da enunciação com o próprio autor. Feito prodigioso de Umberto Eco que, só por si, seria suficiente para aconselhar uma incursão atenta à obra que equaciona a teoria da conspiração judaica tecida no cemitério da capital checa e que levaria à conquista hebraica do mundo.
À distância de trinta anos, tantos quantos os que separam a Rosa do Cemitério, com passagens cadenciadas pelo Pêndulo e Ilha, Baudolino e Loana, o universo imagético do romancista-ensaísta mantém-se intacto. A sensação de maravilhamento não será exatamente o mesmo, mas o encanto das palavras ditas com sentido continua inalterado sem sofrer a menor beliscadura. Razão mais do que suficiente para esperar atentamente a vinda dum sétimo grupo criativo de aventuras, enigmas e fantasias, para que um ciclo simbólico da totalidade humana se feche e abra caminho a outros mais.
Soube hoje logo pela manhã da morte de Umberto Eco, o inventor nato de heróis da imaginação e de outras histórias feitas com palavras plenas de significados. Lembrei-me da minha descoberta dos universos de criação sempre em expansão da república das letras italianas e universais e de ter em tempos escrito umas linhas a esse propósito. Fi-lo no Pátio de Letras a propósito d' O cemitério de Praga e trago-o agora para aqui como testemunho da minha estima pessoal pelo autor e pela obra.
Este título não li ainda.
ResponderEliminarDo autor agora desaparecido, li "O Nome da Rosa", já depois de ter visto o filme. Foi a minha primeira vez a pude constatar que um livro pode ser muito melhor que o filme, do qual também tinha gostado muito. Adquiri em 1991, "O Pêndulo de Foucault", iniciei na altura a sua leitura, mas, não fui capaz de avançar muito. Hoje, julgo que por imaturidade literária. Agaro que o escritor desapareceu, fui buscá-lo à estante e coloquei-o à vista e junto de outros que aguardam a sua vez para serem lidos.
Li há largos anos "O Nome da Rosa" e sempre senti vontade de o reler. Impressionante e marcante.
ResponderEliminarUn grande se n'e` andato! Dopo di lui il vuoto, nessun altro intellettuale italiano di tale rilevanza. Grazie, Umberto!
ResponderEliminarEstá na minha lista de espera que, se calhar, agora com a sua morte, vai passar à frente de outros que estavam para ser lidos antes dele. O primeiro livro que li de Eco foi o 'Como se faz uma tese' que me cativou imediatamente porque a par de um valor pedagógico e de orientação científica para quem precisa mesmo de fazer uma tese, todos os conselhos são apresentados com uma evidente dose de humor, o que só facilita a leitura, aliás.
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