„Jemand mußte Josef K. verleumdet haben, denn ohne daß er etwas Böses getan hätte, wurde er eines Morgens verhaftet. Die Köchin der Frau Grubach, seiner Zimmervermieterin, die ihm jeden Tag gegen acht Uhr früh das Frühstück brachte, kam diesmal nicht. Das war noch niemals geschehen...“
Ler todos os livros que é fundamental ler não é tarefa fácil que possa ser tida como uma pera doce. Muito longe disso. Já cumpri esse dever cultural com alguns deles e tenho alguns outros em fila de espera. Poucos dum lado, bastantes do outro. As obras-primas eleitas pelos especialistas preenchem um número razoável de títulos nem sempre coincidentes entre si. Não acertam quase nunca nessa triagem canónica, pondo em causa os propósitos académicos que os norteiam. Dispenso-me de revelar os já riscados ou a riscar dessas listagens de celebridades globais. Seria tornar pública uma lacuna pessoal e um ato de injustiça para todos eles. Confessar que em determinado momento escolhera uns em detrimento doutros. Fico-me com o que acabei de percorrer com o olhar neste preciso momento. Aquele que foi deixado manuscrito por Franz Kafka e impresso postumamente com o título de O processo (1925).
A passagem pelos labirintos processuais instaurados a Josef K. num tempo e num espaço imprecisos torna-se um empreendimento particularmente penoso. Esse terá sido com toda a probabilidade o principal objetivo do seu mentor real, o romancista e contista austro-húngaro de língua alemã, nascido em Praga no seio duma família judaica. Fazer-nos passar pelos mesmos trâmites existenciais do protagonista, encarnar a angústia por si sentida de se ter visto envolvido nas teias da justiça sem saber do que é acusado. Nunca o saberá. Nunca o saberemos. A oratória das autoridades envolvidas na inquirição judicial assenta âncora no mais completo nonsense. Confuso, ilógico, absurdo. O universo kafkiano estava inventado. Conceito que muitos usam sem ter lido uma única linha da escrita do autor que lhe deu origem, tal como ocorre com outros termos de utilização universal e quotidiana, com a sonoridade tonitruante de maquiavélico, sádico ou masoquista.
A páginas e linhas tantas, afirma-se que o processado julgara não ter entendido uma única palavra de todo o discurso proferido pelo advogado supostamente de defesa. Dificilmente seria possível reagir doutro modo. Essa também a impressão predominante que me assaltou enquanto tentava decifrar os sentidos escondidos em cada um dos fragmentos narrativos que dão corpo ao relato fragmentário que tinha entre mãos. Por vezes, lembrei-me do irracional onírico imaginado por Lewis Carroll para a Alice no país das maravilhas ou a Alice no outro lado do espelho. Essa sensação algo insólita desvaneceu-se rapidamente, quando os sonhos inofensivos da jovem inglesa se transformaram num pesadelo infindável do gerente bancário sem nacionalidade concreta revelada. O modus faciendi inquisitorial das ditaduras político-religiosas de todas as cores e feitios toma conta da ribalta. O imaginário eufórico do mundo infantil é ignorado. O real disfórico do mundo adulto é convocado. O espectável, o sensato e a ordem rendem-se aos ditames do imprevisível, do despropósito e da alienação.
Um dos mais influentes criadores da modernidade atual antecipou-se sem se dar conta de todos os movimentos que lhe deram origem. Surrealista, existencialista, simbolista. Libertou-se das exigências da lógica e da razão, documentou a falta de sentido da vida e da morte, equacionou a incoerência que pode assumir a linguagem humana. Inseriu-se de corpo e alma nos meandros da literatura do absurdo. Rompeu barreiras, abriu caminhos, partiu prematuramente. Deixou-nos os textos. Inacabados. Sem soluções de continuidade. Fechamos o livro que temos entre mãos com a sensação desagradável de vazio, de ter mergulhado no mais abissal dos abismos. De nos faltar o tudo para preencher o nada. Estranha sensação esta com que as histórias simuladas do faz-de-conta por vezes nos brindam para confrontar as histórias acontecidas do dia-a-dia.
Revela um artigo publicado recentemente ser uma obra de Kafka a mais representativa da literatura da República Checa. Não esta que tenho vindo a destacar, mas sim A metamorfose (1915), que continuo a desconhecer. O argumento é promissor. Fascinante mesmo. O absurdo é senhor e rei. Vou pensar muito seriamente se terei coragem suficiente que chegue para me atirar a mais este elefante sagrado das letras universais. Estou convencido que terei de esperar ainda algum tempo para o fazer...
A passagem pelos labirintos processuais instaurados a Josef K. num tempo e num espaço imprecisos torna-se um empreendimento particularmente penoso. Esse terá sido com toda a probabilidade o principal objetivo do seu mentor real, o romancista e contista austro-húngaro de língua alemã, nascido em Praga no seio duma família judaica. Fazer-nos passar pelos mesmos trâmites existenciais do protagonista, encarnar a angústia por si sentida de se ter visto envolvido nas teias da justiça sem saber do que é acusado. Nunca o saberá. Nunca o saberemos. A oratória das autoridades envolvidas na inquirição judicial assenta âncora no mais completo nonsense. Confuso, ilógico, absurdo. O universo kafkiano estava inventado. Conceito que muitos usam sem ter lido uma única linha da escrita do autor que lhe deu origem, tal como ocorre com outros termos de utilização universal e quotidiana, com a sonoridade tonitruante de maquiavélico, sádico ou masoquista.
A páginas e linhas tantas, afirma-se que o processado julgara não ter entendido uma única palavra de todo o discurso proferido pelo advogado supostamente de defesa. Dificilmente seria possível reagir doutro modo. Essa também a impressão predominante que me assaltou enquanto tentava decifrar os sentidos escondidos em cada um dos fragmentos narrativos que dão corpo ao relato fragmentário que tinha entre mãos. Por vezes, lembrei-me do irracional onírico imaginado por Lewis Carroll para a Alice no país das maravilhas ou a Alice no outro lado do espelho. Essa sensação algo insólita desvaneceu-se rapidamente, quando os sonhos inofensivos da jovem inglesa se transformaram num pesadelo infindável do gerente bancário sem nacionalidade concreta revelada. O modus faciendi inquisitorial das ditaduras político-religiosas de todas as cores e feitios toma conta da ribalta. O imaginário eufórico do mundo infantil é ignorado. O real disfórico do mundo adulto é convocado. O espectável, o sensato e a ordem rendem-se aos ditames do imprevisível, do despropósito e da alienação.
Um dos mais influentes criadores da modernidade atual antecipou-se sem se dar conta de todos os movimentos que lhe deram origem. Surrealista, existencialista, simbolista. Libertou-se das exigências da lógica e da razão, documentou a falta de sentido da vida e da morte, equacionou a incoerência que pode assumir a linguagem humana. Inseriu-se de corpo e alma nos meandros da literatura do absurdo. Rompeu barreiras, abriu caminhos, partiu prematuramente. Deixou-nos os textos. Inacabados. Sem soluções de continuidade. Fechamos o livro que temos entre mãos com a sensação desagradável de vazio, de ter mergulhado no mais abissal dos abismos. De nos faltar o tudo para preencher o nada. Estranha sensação esta com que as histórias simuladas do faz-de-conta por vezes nos brindam para confrontar as histórias acontecidas do dia-a-dia.
Revela um artigo publicado recentemente ser uma obra de Kafka a mais representativa da literatura da República Checa. Não esta que tenho vindo a destacar, mas sim A metamorfose (1915), que continuo a desconhecer. O argumento é promissor. Fascinante mesmo. O absurdo é senhor e rei. Vou pensar muito seriamente se terei coragem suficiente que chegue para me atirar a mais este elefante sagrado das letras universais. Estou convencido que terei de esperar ainda algum tempo para o fazer...
Tenho para ler A Metamorfose, ainda não li nada do autor. Gostei do seu teste.
ResponderEliminarLi este livro que adorei penso que há mais de 40 anos. Ainda sinto debaixo da pele a angústia Kafkiniana. Adoro o seu modo de escrever...
ResponderEliminarSendo tão diferentes é um dos dois autores que sempre recordo: Kafka e Thomas Mann. Eu li também 'O Castelo' e a 'Metamorfose' que recordo mal. O que me evoca sempre Kafka é qualquer coisa de angustiante de um perigo obscuro que nos ameaça e retira a liberdade que, ao fim e ao cabo, era o que se passava nessa altura na Europa Central dividida entre dois impérios: austro-húngaro e alemão. Mas concordo, claro, que a obra de Thomas Mann tem um outro fôlego. Durante muito tempo o meu livro de cabeceira foi 'A Montanha Mágica'.
ResponderEliminarMontanha mágica essa que faz parte, também de direito, dessas obras especiais que fazem história da literatura, as tais que continuam a encontrar leitores geração atrás de geração e os põem a comentá-las tantos anos após a sua criação.
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