16 de outubro de 2019

Haruki Murakami, as órbitas de Sputnik e os amores duma violeta japonesa

人にはそれぞれ、あるとくべつな年代にしか手にすることのできないとくべつなものごとがある。それはささやかな炎のようなものだ。注意深く幸運な人はそれを大事に保ち、大きく育て、松明としてかざして生きていくことができる。でもひとたび失われてしまえば、その炎は永遠に取り戻せない。ぼくが失ったのはすみれだけではなかった。彼女といっしょに、ぼくはその貴重な炎までをも見失ってしまったのだ
村上春樹, スプートニクの恋人 (1999)
O fascínio exercido por alguns títulos junto dos leitores atinge um tal grau de eficiência, que passa a ser imitado a torto e a direito por um sem-número de contadores de histórias alheias e pessoais sem um fim claro à vista. Tal o caso da fórmula gizada por Robert Graves no Eu, Claudius, Imperador (1934), a alimentar desde uma miríade doutros Eu(s), fulano/a(s)-beltrano/a(s)-cicrano/a(s), de qualquer coisa. Por vezes, a etiqueta decalcada à exaustão é substituída por outras aberturas de texto mais apelativas. É assim que as palavras encontradas por Marguerite Duras no Hiroshima, meu amor (1959) tenham, de certo modo, inspirado Haruki Murakami no Sputnik, meu amor (1999). Por certo uma mera coincidência irrelevante para aferir a qualidade do roteiro cinematográfico da criadora francesa de origem vietnamita e o enredo romanesco do ficcionista japonês com formação académica no teatro grego.

Quando recebi o livro como prenda de aniversário uma dúzia de anos, não lhe prestei grande atenção. Tê-lo-ei visitado de corrida e depositado depois no exílio tranquilo duma estante. Fixei na memória a imagem desfocada duma roda gigante e dum parque de diversões, convertido num episódio solto que tinha lido algures sem saber muito bem onde. A resolução do enigma tardou mas arrecadou. Numa segunda investida pelo seu interior, a reconstituição total dos factos esquecidos aconteceu e o clique fez-se. A tal chama que existe dentro de nós acendeu-se, o relato composto sobre a égide dum satélite soviético revelou-se e a singularidade das vivências ali narradas confirmou-se. A inventiva do autor nipónico sobrevive assim impune a qualquer beliscadura que a sonoridade das palavras contidas num título por vezes nos possa sugerir.

Em termos gerais, trata-se dum quase ensaio sobre o desejo exposto a três vozes. O narrador anónimo deseja Sumire, que deseja Miu, que não deseja ninguém. Um triângulo amoroso potencial que não passou daí. Simples e sem apelo nem agravoUm professor primário. Uma romancista praticante. Uma importadora de vinhos. Confidências dialogadas, monologadas, pensadas. Falam de filmes, música, livros. O movimento literário Beatnick, liderado por Jack Kerouac nos anos cinquenta, serve de modelo no início do terceiro milénio à aprendiza de escritas com nome dum lied de Mozart (Violeta, em japonês). A tal que se apaixonara por uma pianista falhada de meia-idade, o seu amor, a quem chama Sputnik (companheira de viagem, em russo) e acompanha como secretária à Europa. E o título dado à história cru-zada de dois jovens na casa dos 20 anos e duma mulher misteriosa a roçar os 40 fica justificado.

A ação decorre em Tóquio para depois se centrar numa ilha grega vizinha de Rodes. A jovem escritora evaporara-se como fumo sem deixar rasto e a executiva de origem coreana solicitara a ajuda do jovem docente. O sumiço insólito nunca foi esclarecido de modo satisfatório. Ao esgotarem-se as explicações naturais, ensaiam-se as sobrenaturais sem resultados visíveis. Levanta-se a hipótese da existência dum outro lado para onde se vai sem possibilidade de regresso, local de refúgio dum segundo eu mais verdadeiro do que o primeiro. A interpretação dos factos resvala para uma hesitação típica do Fantástico, a oscilar entre os universos do Estranho e do Maravilhoso. O desconforto só se atenua na reta final do relato, quando um telefonema real ou imaginário vindo de parte incerta parece pôr o narrador em contacto com a amiga desaparecida no mar Egeu. Mas, vistas bem as coisas, talvez não passasse duma ilusão. Nada como a literatura para nos aproximar dos mundos alternativos da fantasia sem nos afastarmos por um só instante do mundo palpável de todos os dias em que vivemos e onde nos movemos.

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EPÍGRAFE
Cada um de nós possui qualquer coisa de especial, que se revela numa determinada altura da nossa vida, e só uma vez, como uma pequenina chama. As pessoas precavidas, abençoadas pela fortuna, conservam religiosamente essa chama, fazem-na crescer, usam-na como uma tocha que ilumina as suas vidas. Mas uma vez apagada, ela não voltará nunca mais a acender-se. Eu não me limitara a perder Sumira. Juntamente com ela, perdera também essa preciosa chama.

7 comentários:

  1. Interessante enquadramento, Prof. Este título (ainda) não li, mas é um tema apelativo pelo que fica registado. Obrigada pela partilha!

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  2. Se não me engano, fui eu que te ofereci o livro. Sabia do teu gosto pelas coisas do universo e achei que o livro aflorava conceitos da antimatéria. Murakami leva-nos a mundos insólitos.

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    1. Exatamente. Tens boa memória. Só agora apreciei devidamente a história...

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  3. Também já li e gostei. Atualmente comecei a ler do mesmo autor: Verdade ao Amanhecer.

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  4. Gosto do que conta sobre este livro. Também deste autor, comecei a ler: Kafka à beira-mar. Só os títulos, já nos remetem para um mesmo autor... Veremos o conteúdo.

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  5. Neste momento estou a ler Norwegian wood... "Já li quase" todos, graças ao meu filho mais novo, que é um leitor compulsivo e trás-me os livros para eu ler também. O primeiro que li, foi Sputnik meu amor, depois uma triologia, depois Kafka á beira mar. Acabei de ler os passageiros da noite... São livros para pensar um bocado...

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