22 de outubro de 2019

Os gigantes e castelos manchegos do Cavaleiro da Triste Figura

Octavio Ocampo, Visiones del Quijote, 1989
INCIPITS
En un lugar de la Mancha de cuyo nombre no quiero acordarme, no ha mucho tiempo que vivía un hidalgo de los de lanza en astillero, adarga antigua, rocín flaco y galgo corredor...»
Miguel de Cervantes
El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha, 1605 (I, 1)
«El sabio Alisolán, historiador no menos moderno que verdadero, dice que siendo expelidos los moros agarenos de Aragón, de cuya nación él decendía, entre ciertos anales de historias halló escrita en arábigo la tercera salida que hizo del lugar del Argamesilla el invicto hidalgo don Quijote de la Mancha, para ir a unas justas que se hacían en la insigne ciudad de Zaragoza, y dice desta manera...»
Alonso Fernández de Avellaneda
Segundo tomo del ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha, 1614 (V, 1)
Uma viagem de R5 ao Perigord Vert francês levou-me a atravessar a Espanha de cabo a rabo. A mudança de século e milénio ainda não se dera e as minhas filhas ainda nos acompanhavam de bom grado nas férias de verão e sem grandes protestos no horizonte. Para tornar o percurso menos monótono, decidimos alternar as grandes tiradas das autoestradas por pequenas etapas traçadas sem pressas nas estradas secundárias. Resolvemos aventurar-nos na Meseta Central e visitar com algum pormenor as rotas seguidas pelo Cavaleiro da Triste Figura, El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha.

E como Cervantes omitiu expressamente o local de origem do leitor compulsivo de livros de cavalarias, seguimos a versão de Avellaneda e rumámos a Argamesilla. O sucesso do desvio de percurso foi total. E se a ficção atrai ficção, então a fantasia atrai mais fantasia e põe a imaginação a alimentar a imaginação. Ali encontrámos a cada canto e recanto a recriação de todas as aventuras e desventuras do pacato fidalgo Quijada ou Quesada, que aos cinquenta anos se converteu no cavaleiro Don Quijote de la Mancha, o companheiro inseparável do fiel escudeiro Sancho Panza de Barataria.

O castillo de Peñarroya, o Pósito de la Tercia e a Casa de Medrano levaram-nos aos cenários seiscentistas da novela. Trocámos a Casa Rural Alonso Quijano pelos antigos trilhos percorridos pela dupla manchega. O nosso Rocinante de quatro rodas não se cruzou com a Dulcineia del Toboso, mas passou por muitos moinhos de vento e montes de casas que à distância se confundiam à perfeição com os gigantes e castelos quixotescos. E assim a ilusão ótica do mundo real virou loucura no mundo romanesco dum cavaleiro andarilho desenhado pela pena criativa do célebre Manco de Lepanto.
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As férias costumam passar a correr mas as lembranças que delas temos perduram sempre no tempo. No regresso a casa, comprei uma versão infantil ilustrada do Dom Quixote de la Mancha de Miguel de Cervantes, que durante algumas noites de inverno visitámos de fio a pavio. O volume ainda existe no meio doutros contadores de histórias impressas em livro. Um dia destes tiro-me de cuidados e ainda vou ao seu encontro. Entretanto fico-me com o original que numa outra viagem trouxe do Principat d'Andorra, local por onde o grande sonhador de sonhos impossíveis nunca terá passado.


3 comentários:

  1. Férias com sabor acentuado a aventura, de realização de sonhos possíveis...

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  2. Nada melhor que uma boa recordação! São eternas! Também é bom ter o gosto de as partilhar... Eu agradeço...

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  3. Dessas viagens eu gosto!
    Deixam belas e duradouras recordações...

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