Thus go the ladies in Spain upon their pattens
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AS INVENÇÕES DE MODA DO DIABINHO
«Destes sou eu hũ dos mais perversos e endiabrado de todos. Eu fuy o que inventey o tabaco para que os homens perdessem o sentido e regalo do olfato e andassem sempre ennodados delle, e bem se vê que foy invectiva minha vício tanto sem gosto algũ, pois não sofrem os que o tomão, quando espirrão, que lhe digão “Dominus tecum”, porque repon-dem para evitá-lo: “Senhores, hé tabaco!”. E têm por delícia estar sem-pre metendo em pó pelos narizes e bebendo-o em fumo pela boca à imitação do Inferno. Eu inventey os sapatos acolherados com hũ palmo de polivi [= pont-levis] e a sua forquinha diante, em sinal do que merece quem tal uza. Eu inventey os rebuços de meyo olho por licenciar às mu-lheres liberdades, os monhos, as anágoas, os guarda-infantes e outras sarandajes e decotados provocadores de lascívias. Não fallo em capoi-nas, sarambeques, chacoynas, sarabandas e seguidilhas deshonestas, que isto são couzas de nonada para mim.»Obras do Fradinho da Mão Furada (>1744). Lisboa: FCG-JNICT, 1991, 91-92
COTURNOS - CHAPINS - PONTAS - AGULHAS
A cunha ou calce é tudo aquilo que eleva ou tem a capacidade de alavancar. Em sentido figurado, resolve-se quando uma pessoa influente intervém a favor de outrem. Em termos literais, obtém-se através da introdução dum calço no objeto que pretendemos en-grandecer. O drama ático antigo utilizou-o nos COTURNOS, aumen-tando assim a altura dos atores. Associados às máscaras, aos onkos e à restante indumentária, permitiam uma visibilidade razoável aos espetadores das últimas bancadas do teatro.
O emprego utilitário grego terá sido seguido pelo vestuário europeu dos séculos dourados. A este tipo de calçado deram os franceses a designação de pont-levis (= pontes levadiças), os italianos pianelle, os ingleses chopines e os portugueses e castelhanos CHAPINS (= sapatos acolherados). Ao que parece, as dimensões exageradas das solas destinavam-se a evitar que as vestes longas dos seus portadores não tocassem o solo, impedindo-as de chapinharem nas poças de água e lama formadas nos dias chuva.
As sapatilhas de ballet clássico dispensam cunhas, calços, tacões, saltos ou solas reforçadas para se elevarem suavemente do solo, tal como as sílfides faziam nos mitos celtas e germânicos medievais e se calhar ainda continuam a fazer. Como génios femininos dos ares que eram, possuíam um par de asas para pairarem nas alturas e lá ficarem. As ballerine resolvem essa sensação de leveza etérea através do simples reforço das PONTAS da scarpette da ballo e com a ajuda musculada dos ballerini della compagnia.
Os seres adejantes dos nossos dias usam sapatos de salto alto em forma de AGULHA com capas e plataformas acrescidas. Renderam-se aos maneirismos do momento, ao equilíbrio instável dos malabaris-mos em voga. Elegância procurada nem sempre encontrada. Adorno infalível dum gosto fugidio sem função utilitária definida. Um ser assim porque é assim e já está. Tendências sazonais a sonhar eternidade. Modernos na sua pós-modernidade milenar. Ditames da moda. Modis-mos efémeros. Ironia trágica duma comédia falhada.
Uma delícia este texto! A comédia humana... Somos uns seres insatisfeitos e imperfeitos, que buscam a atenção dos seus pares através da adopção de coisas que nem ao diabo lembra...
ResponderEliminarBela e interessante evocação, já estive em Sagres e conheci a Fortaleza.
ResponderEliminarCá em casa, o período das Descobertas é o mais apreciado.
Nunca é demais o conhecimento.
Fiquei impressionada com a história das sapatilhas de ballet clássico: sem protecções nenhumas porque as bailarinas voavam no ar quais sílfides!! Até os pés se me arrepiaram ��!!
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