8 de julho de 2022

Fábula do rei oriental

 Baswan - Jardim de Rosas
Cena da corte do Gulistan de Sadi, 1596
A história do homem e do sentido da vida
Ao pensar em Cronshaw, Philip lembrou-se do tapete persa que o poeta lhe dera, dizendo que ele oferecia uma resposta à sua pergunta sobre o sentido da vida. E, de súbito, a resposta ocorreu-lhe. Soltou uma risada. Agora que a tinha, era como um desses quebra-cabeças que nos obcecam até que alguém nos mostra a solução; ficamos então a imaginar como aquilo nos pôde esca-par. A resposta era evidente. A vida não tem sentido. Sobre a Terra, satélite dum astro que viaja velozmente pelo espaço, seres vivos surgiram sob a influ-ência de condições criadas pela história do planeta. E, tendo assim havido um começo de vida na Terra, sob a influência de outras condições haverá um fim. O homem, que não é mais importante do que as outras formas de vida, não surgiu como o ponto culminante da criação, mas como uma reação física ao meio ambiente. Philip lembrou-se da fábula do rei oriental que, desejando co-nhecer a história do homem, recebeu de um sábio quinhentos volumes; atare-fado com os assuntos do governo, solicitou-lhe que os condensasse. Passados vinte anos, o sábio voltou e a sua história não tinha agora mais de cinquenta volumes; mas o rei, demasiado velho então para ler tantos e tão maçudos tomos, rogou-lhe que abreviasse uma vez mais a história. Passaram-se mais vinte anos e o sábio, velho e encanecido, trouxe um único livro, no qual se continha a ciência que o rei procurava. Mas o rei jazia no seu leito de morte e não lhe sobraria tempo para ler nem aquele volume. O sábio, então, narrou-lhe a história do homem numa simples linha. Era esta: nasceu, sofreu e morreu. A vida não tem nenhum sentido. E, vivendo, o homem não cumpre finalidade alguma. É indiferente que ele nasça ou não nasça, viva ou deixe de viver. A vida é insignificante e a morte sem consequência. Philip exultou como exul-tara na infância, quando o peso da crença em Deus lhe fora tirado dos ombros. Parecia-lhe que alijava agora a última carga de responsabilidade. E, pela primeira vez, sentiu-se livre. A sua insignificância transformava-se em força e ele sentia-se de súbito um igual do destino cruel que parecia persegui-lo. Porque se a vida não tem sentido, o mundo fica despojado da sua crueldade. O que fizesse ou deixasse de fazer nada significava. O malogro não tinha importância e o êxito redundava em nada. Era a criatura mais insignificante naquela massa pululante da humanidade que, por breve espaço, ocupa a superfície da Terra. E era todo-poderoso porque arrancara ao caos o segredo da sua inanidade. Os pensamentos atropelavam-se-lhe no cérebro excitado. Philip aspirava o ar profundamente, com jubilosa satisfação. Tinha vontade de pular e cantar. Havia meses que não se sentia tão feliz.

 

4 comentários:

  1. Este romance representa bem os nossos tempos, em que somos tão fortemente colocados face à nossa simples existência humana, tão frágil como a de qualquer outro ser vivo e ironicamente dependente dos seus proprios atos, desejos e paixões. Não há força superior que nos livre do nosso destino, já traçado desde o nascimento, qualquer que seja o nosso percurso neste mundo...

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    1. Continua a ser o romance da minha vida, aquele em que vi pela primeira vez o verdadeiro significado da vida humana. Aproveitá-la enquanto dura e depois juntar-me ao nada que nos envolve enquanto seres pensantes. Um dia destes volto a lê-lo na íntegra como o fiz nos verdes anos.

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  2. Ora aí está, nem mais!
    Li Somerset Maugham, antes dos 20 anos, os livros faziam parte do espólio familiar.
    Este título não vi por lá.
    Promete!

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  3. Um autor que muito aprecio. O meu preferido é "Servidão Humana".

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