DIONISO - ΔΙΌΝΥΣΟΣ
[Vaso grego de cerâmica com figuras vermelhas, séc. vi aec]
«Salve, descendente de Cronos, deus de tudo quanto é líquido e luminoso | Dá-nos ânforas repletas, rebanhos gordos, campos de fruta e colmeias de abastança | Vela pelas cidades e pelos navios que se fizeram ao mar e protege os jovens e a bondosa Témis.»Hino Dionisíaco, apud Daniel J. Boorstin, Os Criadores (1992)
Chamam os mitos helénicos antigos heróis aos filhos dos deuses e dos homens. Podiam muito bem designá-los a todos por semideuses ou super-homens, porque simultaneamente divinos e humanos. A imortalidade herdada da sua origem olímpica permitia-lhes perdurar na memória coletiva dos mortais que os viram nascer, viver e morrer cobertos de glória, fama e honra eternas. O seu nome manter-se-á presente para todo o sempre nas gerações de seres perecíveis que testemunharam os seus feitos temporais e lhes deram um enfoque intemporal. Assim ocorreu com Héracles, Aquiles, Odisseu, Orfeu ou Jasão, para só referir alguns dos mais conhecidos.
De todos esses seres geneticamente híbridos, há um que se destacou por se ter libertado da costela humana recebida da mãe e apropriado da dimensão divina do pai. Nas suas aventuras espúrias useiras e vezeiras, Zeus enamora-se de Sémele e engravida-a. Hera, movida pelos proverbiais ciúmes de mulher traída, resolve vingar-se da rival e propõe-lhe que solicite ao amado deixar-se ver sem disfarces, em todo o seu esplendor. Esta assim faz, sendo de imediato fulminada pelo resplendor do rei dos deuses e dos homens, que retirou o feto do ventre materno e coseu dentro da sua própria coxa. Finda a gestação, dava à luz Dioniso, o deus que nasceu duas vezes.
As façanhas, prodígios e loucuras terrestres abriram-lhe as portas das esferas celestiais, não sem que antes tivesse dado uma saltada às profundezas infernais, para resgatar do Hades a sombra da mãe e a levar consigo para o Olimpo, demonstrando assim o seu poder à data reconhecido por todos. Aquele a quem também chamaram Baco foi convertido no atípico deus dos ciclos vitais, da fertilidade, da insânia, das festividades, dos ritos religiosos, do teatro, do vinho e do caos, provavelmente por ter vencido como nenhum antes a lei da morte e conquistado o direito divino à eternidade, como décimo segundo e último habitante maior do panteão grego.
Numa data não registada da idade dos mitos, os deuses deixaram de procriar com os humanos e os heróis saíram de cena, ou foram coagidos a mudar de paradigma. Há porém um corte neste quadro de aparente entrega dos mortais ao seu próprio destino. Uma virgem judia deu à luz uma criança gerada pelo espírito dum Deus sem nome revelado. A sua estada entre os homens foi efémera, mas a sua ressurreição após a morte repôs-lhe a vida eterna própria da sua natureza divina, aquela que lhe permitiu recuperar a mãe da terra e coroá-la rainha do céu. Acaso este de gregos e hebreus deterem as mesmas chaves de acesso à imortalidade.
Heróis da imaginação, heróis que os homens criam... Ganham imortalidade, sem se livrarem dos defeitos humanos...
ResponderEliminarPor alguma razão foram feitos à sua imagem e semelhança e à imitação duns e doutros. Até o JC não foge a este bailado sem fim de perseguir a imortalidade, custe o que custe...
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