31 de janeiro de 2025

Aventura na Escola Agrícola

«Beatus ille qui procul negotiis, | ut prisca gens mortalium | paterna rura bobus exercet suis, | solutus omni fæenore, | neque excitatur classico miles truci | neque horret iratum mare, | forumque vitat et superba civium | potentiorum limina.»
Horatius, Epodos, 2, 1 (30 aec)
«Carpe diem quam minimum credula postero.»
Horatius, Carmina, 1, 11.8 (23 aec)
«Sed fugit interea fugit irreparabile tempus.»
Vergilius, Georgicon, 3, 284 (30-37 aec)
Beatus ille...
Feliz aquele que desfruta a tranquilidade do campo sem se afastar demasiado do bulício da cidade. Horácio não diria melhor nos versos líricos cantados nos seus épodos juvenis. O bucolismo idealizado pela verve amena do poeta latino não permitia a associação então inconciliável do locus amœnus rural com o locus horrendus urbano. Contrariando as percetivas clássicas seguidas na passagem agitada da República Romana para a Imperial, posso-me gabar de ter tido o privilégio de ter o campo na cidade durante a totalidade dos meus tempos de menino e moço. Aproveitei ao máximo a estação agrária onde o meu pai trabalhava e eu brincava horas a fio com o meu irmão depois das aulas

Naquele espaço imenso de lazer da minha meninice, situado a meia dúzia de passos de casa, mesmo ali ao lado ao virar da esquina, não havia bois como no campo idílico horaciano. Nem cavalos,  nem porcos, nem gado ovino e caprino de porte semelhante. A escola agrícola, como era conhecida, limitava-se a ter umas coelheiras bem fornecidas, uns galinheiros espalhados na paisagem e uma dúzia de peixes coloridos repartidos pelo lago do jardim e nos tanques de rega da quinta. Depois, havia também umas quantas parcelas de terreno cultivadas com uma vasta variedade de legumes, ladeadas com árvores de fruto da região e completado com uma pequena vinha com uvas de diversas castas.

Não guardo na memória nenhuma brincadeira especial tida nesse in illo tempore remoto. Lembro-me todavia de meterem contado uma aventura protagonizada por mim em meados dos anos 50. Deixei de ser visto em todo o recinto fechado do meu paraíso infantil. Procuraram-me por toda a parte, sobretudo nos reservatórios de água de rega extraída dum poço por um moinho de armação metálica. Nada. Lá deram comigo adormecido debaixo dum dos tomateiros ali plantados. Comera um desses frutos vermelhos e já tinha alguns mais de reserva ao meu lado. Não recordo se me terão dito qual o castigo que uma criança com três/quatro anos de idade terá tido. Quero crer que nenhuma.

O edénico El Dorado dos meus verdes anos já não existe. As antigas instalações da IX Região Agrícola mudaram de poiso. Deixaram os limites periféricos da cidade e instalaram-se de pedra e cal no campo. Terão criado um novo beatus ille erigido a uma distância considerável da sua anterior sede onde nunca pus os pés. Para trás ficaram os prazeres menineiros de quem nunca deixou de aproveitar o dia à maneira do carpe diem horaciano. Na altura não pensava muito no amanhã nem sentia real motivo para o fazer. O tempus fugit virgiliano tomou conta dos eventos sem pena nem remissão. Restam-nos as memórias. Sobretudo as boas, como a aventura pré-escolar dos tomateiros da extinta escola agrícola.

EPÍGRAFES
«Feliz é aquele que, longe dos negócios, | Como a antiga raça dos homens, | Ele passa o tempo trabalhando nos campos de seu pai com seus próprios bois, | livre de todas as dívidas, | e não acorda, como o soldado, ao ouvir a trombeta sangrenta da guerra, nem ele tem medo da ira do mar, | ficando longe do fórum e dos limiares arrogantes | de cidadãos poderosos.» [HorácioÉpodos, 2.2 (30 aec)]
«Aproveite o dia e confia o menos possível no amanhã.» [Horácio. Odes, 1, 11.8 (23 aec)]
«Mas o tempo foge e nunca mais regressará.» [Vergílio, Geórgicas, 3, 284 (30-37 aec)]

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