31 de maio de 2018

Bifurcações do tudo e do nada em final de linha...

 John William Waterhouse 

Hypnos and Thanatos: Sleep and His Half-Brother Death (1874)

«To die, to sleep; | To sleep, perchance to dream – ay, there's the rub...»
William Shakespeare, Hamlet, Prince of Denmark (1599-1602: III, ii, 64-65)
«Demeure ; il faut choisir, et passer à l'instant | De la vie à la mort, ou de l'être au néant...»
Voltaire, Lettres philosophiques (1734: xviii, 1-2)
Acabei o ano escolar a falar de Thánatos, de Hypnos e Morfeu. Diz Hesíodo, na Teogonia (séc. VIII AEC), serem filhas da deusa Nyx, a Noite, e personificações da Morte, do Sono e dos Sonhos. Uma trindade divina que Shakespeare associou no mais conhecido monólogo do Hamlet (1599-1602), quiçá a sua mais famosa tragédia. Uma tradução livre de dois dos seus versos remeter-nos-ia para algo como: morrer é dormir, sonhar talvez.

Essa aula funcionou também como a última lição duma carreira académica de quatro décadas e picos, dedicada à arte das palavras faladas, escritas, lidas e relidas. Foi nesse contexto de cultura literária alargada que a conversa com alunos, colegas, funcionários e amigos decorreu. Debatia-se então na Assembleia da República a despenalização da morte assistida, cujo resultado imprevisível andara nas bocas inquietas dos fazedores de opinião.

Com toda a liberdade que me foi dada nesse preciso momento, desenvolvi de improviso uma reflexão sobre o livre-pensamento, a livre-escolha e o livre-arbítrio. As figuras inevitáveis da eutanásia e da distanásia fizeram parte do elenco discursivo. Inseri-as no âmbito das visões greco-romana e judaico-cristã de encarar a vida e a morte. As fontes matriciais que dão corpo ao modus operandi ocidental são muitas claras na definição do tudo e do nada.

A minha memória de leituras distantes sussurou-me aos ouvidos uma máxima que Jean-Paul Sartre registou no L'être et le néant (1943): «L'homme est condamné à être libre». A liberdade que tenho de pensar dá-me a liberdade de ser o que sou. Sobretudo quando chega a altura de enfrentar a passagem para a outra margem do Estige. Liberdade de optar pelo prolongamento artificial da vida ou pelos chamamentos libertadores da morte.

2 comentários:

  1. Foi seguramente uma riquíssima e comovente última aula preferida por um Professor que teria tido um especial gosto em ter conhecido!
    Felicidades na sua nova fase. Que o possamos ir acompanhando por aqui...

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  2. Belo tema para a despedida da vida académica, Prof., pelo menos da oficial pois estou a ver-te presente quando solicitado!
    Parabéns pela liberdade agora alcançada para decidires do teu tempo como bem entenderes! Em todos as vertentes desta vida!

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