O homicídio
Regressando do psiquiatra, o homem estendeu-se na cama, pensativo. Algumas horas depois tomou uma decisão.
Levantou-se, foi à cozinha, agarrou numa faca de cortar carne, dirigiu-se novamente ao quarto e olhou a cama. Em seguida, com determinação, foi-se aproximando.
Perto da cabeceira parou, fitando o homem negligentemente estendido no leito. Tinha um belo rosto feminino, um corpo frágil e branco, olhos levemente sombreados, as unhas finas e envernizadas, um ar lascivo e gentil, simultaneamente recatado e sensual.
Levantou a faca e, cerrando os olhos, cravou-a violentamente no peito do homem. Um jato de sangue espirrou para cima dos lençóis e inundou-lhe a face.
Lentamente, largou a faca e deixou-se cair sobre a alcatifa. Uma agradável sensação de alívio começava a invadi-lo.
Acabava de assassinar a sua dupla personalidade.
Orlando Neves, A condecoração (1984)
Ó! À medida que lia, lembrava o crime cometido em NY, contra o famigerado cronista social...
ResponderEliminarA literatura a imitar constantemente a vida ou, numa outra perspetiva, a vida a seguir as mesmas pisadas das histórias inventadas pelas letras...
ResponderEliminarFantástico, na realidade! Fico magicando que seria interessante conseguirmos matar a personalidade que nos empecilha a vida...
ResponderEliminarSó a literatura nos permite, sem cairmos no assassinato ou no suicídio, fazer isso através dos heterónimos...
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