Até hoje, a diversificação das línguas no mundo é incompreensível, porque, sendo a língua um meio de comunicação, elas se separaram até se tornarem um obstáculo à comunicação [...] A curiosidade humana pelas origens deu lugar a um mito bíblico, o mito da Torre de Babel, segundo o qual a variedade das línguas no mundo é uma consequência da rivalidade entre os deuses e os homens. A incomunicabilidade entre os idiomas é sentida como um mal e como um castigo divino.António José Saraiva, «A Torre de Babel», IN Cultura (1993: 24-25)
Afirma o autor anónimo do Génesis que o Deus de Israel, quando criou o homem à sua imagem e semelhança, lhe deu o dom da palavra, o modo mais eficiente posto à sua disposição para se apropriar de todas as coisas existentes ao cimo da terra, através dos nomes que lhes desse. No princípio dos tempos está portanto o verbo, o alicerce da linguagem humana e da comunicação.
Na mesma altura em que o interesse pelo português parece estar a crescer um pouco por toda a parte no topo das línguas mais impor-tantes a nível global, os meios de comunicação social bombar-deiam-nos diariamente com uma bateria de palavras soltas ou agru-padas em frases de estranha sonoridade para os ouvidos treinados na lusofonia. Barbarismos próprios duma nova Torre de Babel.
Eles são os cookies e browser, os sites, links e pen drives, os croll lock, print Scrn e SysRq. Lugar para os hardware/software e down-load/upload. E há o recente brunch a dar a mão ao já assimilado lunch. Na gíria dos mercados fala-se no default da Grécia sem Grexit. O fisco recorre cada vez mais ao outsourcing|contracting out, quando lhe bastava falar numa mera contratação externa...
A veleidade do português ser uma língua mundial tem sido negada pelos detentores da palavra escrita e falada neste país. Puna-se a arrogância como no mito bíblico. Torne-se o idioma irreconhecível. Dividir para reinar. Dá vontade de imitar Mário de Carvalho e repetir a frase que pôs na boca duma divindade desconhecida do In excel-sum: «São imprevisíveis os caminhos que a Mim conduzem.» *
NOTA
(*) - Vd. Mário de Carvalho, «In Excelsum», IN A inaudita guerra da avenida Gago Coutinho. Lisboa: Edições Rolim, 1983, p. 13.
Que lindo texto, Artur!
ResponderEliminarA propósito do texto presente e daquele outro de há dias atrás em francês, acabei por não lhe contar que aprendi francês na escola do 5º ao 11º ano, inglês só aprendi no 9º ano. Houve tempos em que desejava ir aprender inglês numa qualquer escola de línguas. Por todos os motivos e mais alguns. Já me passou, hoje, por um lado direcionamos os nossos recursos financeiros para os dois nossos filhos a estudar em LX, sem direito a qualquer tipo de ajuda/bolsa. Por outro lado, sublimei certas vontades, aquelas que implicam gastos... Então, entrego-me à leitura em português. E tenho sido feliz assim, na nossa língua.
E se assim é, que continue a ser feliz com a língua portuguesa, que tantas palavras com sentido tem juntado ao longo dos séculos...
ResponderEliminarNa realidade, os estrangeirismos são uma carga pesada na língua portuguesa, que bem tem termos próprios para expressar as mesmas ideias, como língua bem rica que é.
ResponderEliminarPor enquanto, ainda dou comigo a corrigir automaticamente as calinadas e os disparates que oiço diariamente na televisão. Mas até quando não ficarei contaminada? Agora ando intrigada com a expressão "à séria" (por exemplo, "falar à séria"). Deixou-se de usar "a sério"?
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