10 de outubro de 2016

O buraco da fechadura

Há quem procure ver neste tipo de livros memorialistas oportunidades para vinganças ou ajustes de contas. Pelo meu lado, nunca o fiz, não o faço e não o farei. O objetivo deste livro é deixar contribuições para a História — e, se não o fizesse com verdade, mais tarde ou mais cedo assaltar- me- iam os remorsos. A vingança, como o crime, nunca compensa.
José António Saraiva. Eu e os políticos (2016)
Li de fio a pavio o livro proibido do antigo diretor do Expresso e do Sol e não encontrei nenhum contributo especialmente relevante para a história política portuguesa recente. Encontrei bisbilhotices de bastidor, intrigas de corredor, boatos de alcoviteira. O foco de todas as polémicas veio-me ter às mãos sem que eu lhe tivesse realmente pegado. Enxerguei-o em formato digital num PDF que me foi enviado por correio-e. Presente envenenado que aceitei, abri e esguardei com toda a atenção que o ofertante me merecia.

E assim acabei por ler pelo buraco da fechadura indiscreto os mexe-ricos que o cronista não quisera ou não pudera escrever até hoje. Fiquei a saber da existência dum governante que tem uma caligrafia de terceira classe mal tirada, duma jornalista que obtém notícias em primeira-mão com a arte muito feminina de se insinuar junto dos ministros, dum político que passa as noites a comer chocolate ou dum outro de corpo atarracado e mão sapuda que nunca aprendeu a conduzir porque foi governante muito cedo...

A listagem de tricas, cusquices e rumores dum diz-que-disse ou talvez-tivesse-dito, próprio de língua-de-palmo-e-meio, prossegue ao longo de duas centenas e meia de páginas bem contadas, repartidas por quarenta e duas figuras públicas ordenadas alfabeticamente. Uma devassa gratuita e continuada ad infinitum de confissões, desabafos e confidências mal guardadas. Escárnios e maldizeres pós-modernistas que deixariam de boca aberta o trovador mais ousado dos cancioneiros medievais galego-portugueses.

Acabada a leitura e arrumada a escrita só me resta borrifar o livro com as gotas do Lethes, o rio do esquecimento. Clicar na tecla Del. Enviá-lo para a reciclagem. Apagar com caráter definitivo da memó-ria - real e virtual - os ecos da tagarelice de trazer por casa ou à mesa de café, bar ou restaurante. Deixar os ajustes de conta por conta dos visados. Fala-se por aí duma providência cautelar em cur-so. Umas fotos de cariz sexual pairam no ar. Jogos de bastidor au-sentes das contas do meu rosário. Ponto final e ite, missa est.   

4 comentários:

  1. Que curioso, também eu recebi por e-mail o meu exemplar. Ainda não o abri por falta de oportunidade. Não o apaguei porque queria espreitar. Talvez um dia destes. Acho que já tudo se disse sobre o tema. As boas e as más ações ficam com quem as pratica.

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  2. Também recebi por mail o dito PDF, mas já sabia o suficiente sobre o livro para perder tempo a lê-lo. "Não tenho tempo a perder", já dizia o outro...

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  3. Um livresco escrito por um "escritor" com neurónios assexuados. Já vi à venda, quase estive para comprar devido à polémica, mas o bom senso prevaleceu. E pelo que o meu amigo descreveu, é mesmo uma "lixeira"

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  4. Também me chegou via digital e li-o porque imaginei que iria ser "discutido" e gosto de perceber o que se fala à minha volta... Li-o não em diagonal mas quase e dei-lhe e um Del no final, como merecia!

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