CANEBibbia di Borso d'Este[Modena, Biblioteca Estense Universitaria, Mss. Lat. 422 and Lat.423] |
1. CONSTANTE: uma história de perdizes...
Constante, era esse o nome do animal, corre na direção da perdiz, pensou se calhar que ela tinha sido ferida, por meio dos tojos, que ali o mato era cerrado como poucas vezes se tem visto, e havia umas pedras grandes que tapavam a vista, foi o caso que se me sumiu o cão, e por mais que eu chamasse Constante, Constante, e assobiasse, não apareceu, que ainda foi vergonha maior voltar para casa sem o animal, para não falar do desgosto, que o bicho só lhe faltava conversar. [...] Passados dois anos calhou ir para aqueles lados [...] e então veio-me à lembrança o sucedido, meti-me pelo meio das pedras, foi o cabo dos trabalhos, não sei que ideia é que me levava, parecia que alguém me estava a aconselhar, não desistas, Sigismundo Canastro, e de repente que é que eu vejo, o esqueleto do meu cão ali de pé a marrar o esqueleto da perdiz, e estavam naquilo há dois anos, cada qual em sua firmeza, parece que o estou a ver, o meu cão Constante, com o focinho esticado, a pata levantada, não houve vento que o deitasse abaixo nem chuva que lhe soltasse os ossos.
Levantado do chão (1980)
2. ARDENT | CONSTANTE: os nomes do cão…
Quis José Anaiço lançar água na fervura dos risos que a sugestão de Maria Guavaira levantara, e propôs que fosse dado ao cão o nome de Constante, tinha lembrança de haver lido esse nome num livro qualquer, Agora não me lembro, mas Constante, se entendo bem a palavra, contém todas as que foram sugeridas, Fiel, Piloto, Fronteiro, Combatente, e até Anjo-da-Guarda, porque se nenhum destes for constante perde-se a fidelidade, desorienta-se o piloto, o fronteiro abandona o posto, o combatente entrega as armas, e o anjo-da-guarda deixa-se seduzir pela menina a quem devia defender das tentações.
A jangada de pedra (1986)
3. CÃO: o cão que chegou no fim da história…
Entra no quarto, que uma luz fraca apenas ilumina, e despe-se cautelosamente, evitando fazer ruído, mas desejando no fundo que Maria Sara acorde, para nada, só para poder dizer-lhe que a história chegou ao fim, e ela, que afinal não dormia, pergunta-lhe, Acabaste, e ele respondeu, Sim, acabei, Queres dizer-me como termina, Com a morte do almuadem, E Mogueime, e Ouroana, que foi que lhes aconteceu, Na minha ideia, Ouroana vai voltar para a Galiza, e Mogueime irá com ela, e antes de partirem acharão em Lisboa um cão escondido, que os acompanhará na viagem…
História do cerco de Lisboa (1989)
4. CÃO DAS LÁGRIMAS: o cão que chora…
A mulher do médico vai lendo os letreiros das ruas, lembra-se de uns, de outros não, e chega um momento em que compreende que se desorientou e perdeu. Não há dúvida, está perdida. Deu uma volta, deu outra, já não reconhece nem a ruas nem os nomes delas, então, desesperada, deixou-se cair no chão sujíssimo, empapado de lama negra, e, vazia de forças, de todas as forças, desatou a chorar. Os cães rodearam-na, farejam os sacos, mas sem convicção, como se já lhes tivesse passado a hora de comer, um deles lambe-lhe a cara, talvez desde pequeno tenha sido habituado a enxugar pratos. A mulher toca-lhe na cabeça, passa-lhe a mão pelo lombo encharcado, e o resto das lágrimas chora-as abraçada a ele.
Ensaio sobre a cegueira (1995)
5. ACHADO: o nome do cão perdido…
Não lhe chamarei Constante, foi o nome de um cão que não voltará à sua dona e que não a encontraria se voltasse, talvez a este chame Perdido, o nome assenta-lhe bem, Há outro que ainda lhe assentaria melhor, Qual, Achado, Achado não é nome de cão, Nem Perdido o seria, Sim, parece-me uma ideia, estava perdido e foi achado, esse será o nome…
A caverna (2000)
6. TOMARCTUS: o cão da casa...
O estranho nome foi-lhe posto por Tertuliano Máximo Afonso, é o que sucede quando se tem um dono erudito, em lugar de ter batizado o animal com um apelativo que ele pudesse captar sem dificuldade pelas vias diretas da genética, como teriam sido os casos de Fiel, Piloto, Sultão ou Almirante, herdados e sucessivamente transmitidos de gerações em gerações, em vez disso foi-lhe por o nome de um canídeo que se diz ter vivido há quinze milhões de anos e que, segundo andam certificando os paleontólogos, é o fóssil Adão destes animais de quatro patas que correm, farejam e cocam as pulgas, e que, como é natural nos amigos, mordem de vez em quando.
O homem duplicado (2002)
7. CONSTANTE: o cão das lágrimas…
O comissário sentou-se com todas as cautelas, guardando a distância, Tranquilo é o nome dele, perguntou, Não, chama-se Constante, mas para nós e para os meus amigos é o cão das lágrimas, pusemos-lhe o nome de Constante por ser mais curto, Cão das lágrimas porquê, Porque há quatro anos eu chorava e este animal veio lamber-me a cara…
Ensaio sobre a lucidez (2004)
Que interessante: diferentes romance de Saramago, cães, e nomes que se repetem.
ResponderEliminarInteressante compilação das pequenas histórias de cães, constantes nos romaces de Saramago!
ResponderEliminar«Livro das Vozes: Uivemos, disse o cão…»
ResponderEliminarJosé Saramago, Ensaio sobre a Lucidez (2004)
Conversa de José Saramago com José Santa Bárbara ... olhando para as pinturas sobre o Memorial do Convento :
ResponderEliminarSaramago...no Memorial do Convento não aparece nenhum cão .... porque pintaste um ?
Santa-Bárbara.... olha, porque me apeteceu !
Saramago .... Ah ! tens razão .... devia andar por lá um cão !
Acho " memorável" esta estória entre Escritor e Pintor !