12 de dezembro de 2016

Labirinto de palavras

Theseus und dem Minotaurus im Labyrinth
(C. 275-300 EC)
[Kunsthistorisches Museum, Vienna, Austria]

Retóricas parlamentares...


      — Não posso nem pretendo, honrados juízes e meus bons co-munais, não pretendo nem posso, nem tenho intenção ou possibili-dade de negar e de pôr em dúvida que a proposta ou proposição do benemérito orador que acaba de falar seria daquelas que, dadas as condições, e admitida a possibilidade e conveniência das circuns-tâncias, era talvez, e porventura se apresentaria de um modo, e por tal dedução de causas e efeitos, que eu poderia, e todos nós de co-mum acordo estaríamos dispostos e inclinados a que, admitidos os princípios que são a base e fundamento essencial de toda a doutri-na, consultada somente a suprema, a supina consideração das ra-zões abstratas, e tais que o entendimento, a norma, a lei geral das mais elementares regras da boa administração e da reta congruência dos elementos mais vitais — ou antes daqueles que progridem por certa e invariável marcha desde o seu ponto de partida até o mais culminante; e bem assim firmados naqueles dados estatísticos por mim colhidos e que foram elaborados pela confrontação dos factos — e os factos são tudo na ciência! — Ciência que eu posso dizer com alguma vaidade, que peço me seja permitida, tenho levado desde o caos em que a achei, até outro caos... Quero dizer até onde são os limites confinantes da racionalidade bem entendida; pois se não pode negar que entre os dois máximos perigos do ser e do não ser — como daqui a alguns séculos tem de dizer um grande poeta inglês: To be, or not to be; o que então há de significar traduzido em romance: 
Ou ser capitão-mor ou não ser nada... 
      E citando estas futuras trovas, eu homem de alta ciência que desprezo trovadores e jugulares, sacrifico às musas como Sócra-tes... O conselho sabe quem é Sócrates e quem são as musas; mas quando não soubesse, bastaria dizer-lho eu...
Almeida Garrett, O Arco de Sant'Ana (1845 & 1850: cap. xxxii)

3 comentários:

  1. Uma delícia de retórica: um máximo de palavras, um mínimo de sentido objetivo!

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  2. Fantástica lembrança, Prof! Uma retórica pungente, de deixar uma pessoa no caos...

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  3. Um interessante conjunto de percursos de palavras, com o objetivo de desorientar quem os persegue.

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