27 de maio de 2019

James Joyce e as odisseias urbanas dum Ulisses irlandês

"Think you're escaping and run into yourself. Longest way round is the shortest way home." 
James Joyce, Ulysses (1922)
Lisboa e Dublin serão, porventura, as duas capitais europeias mais ligadas a Odisseu, o herói maior da Grécia antiga e rei lendário de Ítaca. A primeira ainda hoje diz dever o nome clássico de Olisipo, Ulissipolis ou Ulisseia ao seu fundador epónimo, a segunda por ter criado uma odisseia moderna na sua malha urbana, toda ela decal-cada na marítima empreendida pelo inventor helénico do Cavalo de Troia. Casos paradigmáticos da criatividade literária transmitidas nas diversas modalidades épicas em verso e em prosa.

Regressei à companhia de Leopold Bloom, o pacato angariador de publicidade, o tal que James Joyce escolheu para protagonista do Ulisses (1922), uma das mais dissecadas ficções romanescas do século passado e cujas deambulações pela cidade no dia 16 de junho de 1904 dariam origem ao feriado do Bloomsday, celebrado anualmente na Irlanda e noutras partes do mundo. Fi-lo numa edição traduzida, prefaciada e anotada por João Palma-Ferreira, que me acompanha desde 2006, ano em que li pela primeira vez de fio a pavio as suas 844 páginas, distribuídas por três partes e 18 capítulos ou etapas literárias da peregrinação judaico-cristã da modernidade literária europeia. Tarefa árdua que me permitiu visitar nesse verão já longínquo o palco dos acontecimentos narrados com a bagagem recheada dos conhecimentos entretanto obtidos.

Apesar do título dado ao romance-epopeia, o antropónimo Ulisses só aparece registado quatro vezes em toda a malha discursiva, sem que haja mesmo assim uma relação direta detetável de causa-efeito entre essa figura temerária helénica e a desenhada no texto irlandês. Se quisermos encontrar similitudes estruturais concretas nos dois textos, teremos de exercer um esforço continuado e persistente para obter resultados satisfatórios que ultrapassem a mera coincidência da viagem. O melhor será recorrer ao quadro-esquema que James Joyce elaborou para chegarmos com algum sucesso às aventuras e desventuras desenvolvidas no poema homérico. Se nos apoiarmos nas palavras-chave ali apontadas como simples auxiliares de leitura, a aproximação anunciada à Odisseia lá se irá fazendo a pouco e pouco e sem percalços de maior.

Seguir as pisadas do ilustre caminhante joyciano pelas ruas e ruelas da sua cidade natal não é pera doce. Essa também a perceção do aedo moderno que lhe deu corpo, registada nos múltiplos escritos laterais que lhe dedicou. Considera esse complexo percurso labiríntico e sem rumo certo anunciado como a história dum dia que simboliza a própria vida, como um ciclo completo do corpo humano assente no epopeia de duas raças, a israelita e a irlandesa. Herói coletivo dum povo ou duma coletividade específica, com direito a ser cantada sem obedecer às regras restritas de metro e rima. Relato que depois duma visita atenta e integral se poderá sempre revisitar uma e outra vez em pequenas investidas parcelares. Não tenho nenhuma prevista para os próximos tempos, mas nunca é tarde para voltar aos locais já visitados uma ou outra ocasião, porque há sempre a possibilidade de nos depararmos com novas e surpreendentes descobertas.  

6 comentários:

  1. Um magnifico e orientador texto para uma aventura que se antecipa muito exigente.
    Já o tenho, aguarda oportunidade para uma primeiríssima leitura!

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  2. Teresa Salvado de Sousa2 de junho de 2019 às 12:23

    A ganhar coragem para leitura Integral. Um dia será. Gostei muito de Dubliners.

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  3. Clara Ferrão Tavares2 de junho de 2019 às 12:24

    Eu acho que já não tenho idade para fazer sacrifícios! Pelos vistos também não os fiz quando devia... Fiz alguns, mas...

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  4. Maria João Mendonça Portela2 de junho de 2019 às 12:25

    Dei na Faculdade. Gostei e vou reler, assim como 'The Portrait of The Artist as a Young Man' do mesmo James Joyce e também muito bom.

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  5. José Alves Farinha2 de junho de 2019 às 12:26

    É pá... p'ra essa é preciso fólego, e tempo!

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  6. José M. M. Cláudio2 de junho de 2019 às 12:27

    Gostei muito do seu texto que é dos numerosos 'clássicos' que mantenho em lista para ler. Infelizmente por vezes perco-me por outros caminhos e alguma coisa tem de ficar para trás...

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