Lebes Gamikos (Ática: circa 430-420 AEC)
[Tubingen, Eberhard-Karls-Universität, Archäologisches Institut 5643]
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«Ἐν Λέσβῳ θηρῶν ἐν ἄλσει Νυμφῶν θέαμα εἶδον κάλλιστονὧν εἶδον· εἰκόνα γραπτήν, ἱστορίαν ἔρωτος. Καλὸν μὲν καὶ τὸἄλσος, πολύδενδρον, ἀνθηρόν, κατάρρυτον· μία πηγὴ πάνταἔτρεφε, καὶ τὰ ἄνθη καὶ τὰ δένδρα· ἀλλ´ ἡ γραφὴ τερπνοτέρα καὶτέχνην ἔχουσα περιττὴν καὶ τύχην ἐρωτικήν· ὥστε πολλοὶ καὶτῶν ξένων κατὰ φήμην ᾔεσαν, τῶν μὲν Νυμφῶν ἱκέται, τῆς δὲεἰκόνος θεαταί. Γυναῖκες ἐπ´ αὐτῆς τίκτουσαι καὶ ἄλλαισπαργάνοις κοσμοῦσαι, παιδία ἐκκείμενα, ποίμνια τρέφοντα, ποιμένες ἀναιρούμενοι, νέοι συντιθέμενοι, λῃστῶν καταδρομή, πολεμίων ἐμβολή. Πολλὰ ἄλλα καὶ πάντα ἐρωτικὰ ἰδόντα με καὶθαυμάσαντα πόθος ἔσχεν ἀντιγράψαι τῇ γραφῇ· καὶἀναζητησάμενος ἐξηγητὴν τῆς εἰκόνος τέτταρας βίβλουςἐξεπονησάμην, ἀνάθημα μὲν Ἔρωτι καὶ Νύμφαις καὶ Πανί, κτῆμα δὲ τερπνὸν πᾶσιν ἀνθρώποις, ὃ καὶ νοσοῦντα ἰάσεται, καὶλυπούμενον παραμυθήσεται, τὸν ἐρασθέντα ἀναμνήσει, τὸν οὐκἐρασθέντα προπαιδεύσει. Πάντως γὰρ οὐδεὶς ἔρωτα ἔφυγεν ἢφεύξεται, μέχρις ἂν κάλλος ᾖ καὶ ὀφθαλμοὶ βλέπωσιν. Ἡμῖν δ´ ὁθεὸς παράσχοι σωφρονοῦσι τὰ τῶν ἄλλων γράφειν.»
O nascimento absoluto do romance como género autónomo e com um leve fundo histórico surgiu no mundo helenístico, no seio dos relatos de amor e aventuras peregrinas. Tudo terá começado no final da Era Axial (c. 800-200AEC), aquela que marca o ponto de partida das atuais correntes de pensamento: o confucionismo e o tauismo na China, o budismo e o bramanismo na Índia, o monoteísmo persa e judaico no Médio Oriente e o racionalismo grego na Europa. Foi neste curto período de tempo que as grandes matrizes culturais ganharam forma e deram corpo à unidade e diversidade da criatividade humana. O universo das letras viu emergir a poesia lírica e épica, a tragédia e a comédia, e as inúmeras modalidades da ficção, que passámos a designar conto, novela e romance.
Deve-se à capacidade inventiva de Longus de Lesbos o mérito de ter convertido o Dáfnis e Cloé (séc. II EC) no mais lido texto hoje em dia da série diegética grega, apesar de ser o que se afasta mais do modelo canónico que até nós chegou. Ignora as referências históricas, reduz as aventuras peregrinas ao mínimo, desloca o espaço cénico da cidade para o campo, elimina o tradicional coup de foudre inicial e centra-se no longo processo de descoberta amorosa vivido pelos protagonistas. Estabelece, em suma, as coordenadas estruturais que estarão na génese da novela pastoril, um paradigma genérico de sucesso que gozará de grande popularidade na literatura bucólica europeia dos séculos de ouro.
Nas imediações rurais de Mitilene, a maior cidade da ilha de Lesbos, dois recém-nascidos são expostos à mercê das forças da natureza, tuteladas pela proteção divina de Pã e das Ninfas, a que se juntará ainda Eros, o deus do amor. Dafnis e Cloé são encontrados por dois zagais de condição servil, que os acolhem e educam como pastores. As duas crianças crescem juntas até atingirem a puberdade. O conví-vio quotidiano na companhia dos rebanhos, a existência saudável ao ar livre e o ambiente bucólico envolvente ajudaram-nas a descobrir por si sós os mistérios primordiais da vida. A paixão brota quando ela o vê banhar-se num riacho e ele é beijado no rosto. O processo de enamoramento prossegue até ao desenlace espectável: o casamento dos protagonistas, depois de terem descoberto as suas origens citadinas e de terem resolvido ficar no campo onde a sua história comum até então se fizera.
O alicerce dos livros novelados de pastores estava lançado, mas o novo edifício genérico teve de esperar 1200 anos para ganhar forma. Deveu-se a Jacopo Sannazaro com a Arcádia (1504), que adaptou o modelo grego antigo à realidade quinhentista italiana. Escreveu-a em florentino, com a função de instruir e divertir os leitores, e introduziu o prosímetro, i.e., a alternância das formas versificadas e prosaicas na estrutura discursiva. O exemplo foi seguido no espaço ibérico por Jorge de Montemor com a Diana (1561), composta em castelhano com algumas líricas em português. O cânon estava pronto para influenciar toda a produção literária europeia até ao advento da Revolução Francesa, momento em que novos paradignas foram ensaiados e desenvolvidos com maior e menor sucesso editorial.
A pastoral clássica deixou de despertar o interesse apaixonado dos emissores-recetores atuais. A mensagem do locus amœnus há muito que passou a ser procurado noutras latitudes. As peregrinationes vitæ dos nossos dias fazem-se sobretudo aos fins de semana e feriados nos shoping center das cidades. As idas aos campos passaram de moda. As fugas momentâneas até podem residir no refúgio do grande ecrã dum cinema ou no pequeno dum televisor. Foi num destes espaços que dei comigo a confrontar as soluções encontradas por Randal Kleiser n'A lagoa azul (1980), filme em que dois adolescentes naufragados numa ilha deserta acabam por aprender as regras fundamentais da sobrevivência e do amor. A lição de Dáfnis e Cloé voltou a ser dada, lembrando-nos que, em Arte, as obras se tornam intemporais e estão sempre dispostas a fazer-nos companhia quando delas necessitamos.
Nas imediações rurais de Mitilene, a maior cidade da ilha de Lesbos, dois recém-nascidos são expostos à mercê das forças da natureza, tuteladas pela proteção divina de Pã e das Ninfas, a que se juntará ainda Eros, o deus do amor. Dafnis e Cloé são encontrados por dois zagais de condição servil, que os acolhem e educam como pastores. As duas crianças crescem juntas até atingirem a puberdade. O conví-vio quotidiano na companhia dos rebanhos, a existência saudável ao ar livre e o ambiente bucólico envolvente ajudaram-nas a descobrir por si sós os mistérios primordiais da vida. A paixão brota quando ela o vê banhar-se num riacho e ele é beijado no rosto. O processo de enamoramento prossegue até ao desenlace espectável: o casamento dos protagonistas, depois de terem descoberto as suas origens citadinas e de terem resolvido ficar no campo onde a sua história comum até então se fizera.
O alicerce dos livros novelados de pastores estava lançado, mas o novo edifício genérico teve de esperar 1200 anos para ganhar forma. Deveu-se a Jacopo Sannazaro com a Arcádia (1504), que adaptou o modelo grego antigo à realidade quinhentista italiana. Escreveu-a em florentino, com a função de instruir e divertir os leitores, e introduziu o prosímetro, i.e., a alternância das formas versificadas e prosaicas na estrutura discursiva. O exemplo foi seguido no espaço ibérico por Jorge de Montemor com a Diana (1561), composta em castelhano com algumas líricas em português. O cânon estava pronto para influenciar toda a produção literária europeia até ao advento da Revolução Francesa, momento em que novos paradignas foram ensaiados e desenvolvidos com maior e menor sucesso editorial.
A pastoral clássica deixou de despertar o interesse apaixonado dos emissores-recetores atuais. A mensagem do locus amœnus há muito que passou a ser procurado noutras latitudes. As peregrinationes vitæ dos nossos dias fazem-se sobretudo aos fins de semana e feriados nos shoping center das cidades. As idas aos campos passaram de moda. As fugas momentâneas até podem residir no refúgio do grande ecrã dum cinema ou no pequeno dum televisor. Foi num destes espaços que dei comigo a confrontar as soluções encontradas por Randal Kleiser n'A lagoa azul (1980), filme em que dois adolescentes naufragados numa ilha deserta acabam por aprender as regras fundamentais da sobrevivência e do amor. A lição de Dáfnis e Cloé voltou a ser dada, lembrando-nos que, em Arte, as obras se tornam intemporais e estão sempre dispostas a fazer-nos companhia quando delas necessitamos.
Uma leitura interessante enquanto se aguarda a hora de regressar a casa...
ResponderEliminarBelo texto pedagógico, Prof.! Na peugada de Dáfnis e Cloé, ainda irás provavelmente conhecer a continuação da Lagoa Azul...
ResponderEliminarServiu esta lenda também como inspiração para um inesquecível bailado encomendado por Diaguilev para os seus "Ballets Russes". Com música de Ravel e coreografia de Michel Fokine .
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