13 de janeiro de 2020

J. D. Salinger, uma história de loucos do apanhador à espera no centeio

“Anyway, I keep picturing all these little kids playing some game in this big field of rye and all. Thousands of little kids, and nobody’s around – nobody big, I mean – except me. And I’m standing on the edge of some crazy cliff. What I have to do, I have to catch everybody if they start to go over the cliff – I mean if they’re running and they don’t look where they’re going I have to come out from somewhere and catch them. That’s all I do all day. I’d just be the catcher in the rye and all. I know it’s crazy, but that’s the only thing I’d really like to be.” 
Chegou-me às mãos um velho romance norte-americano que toda a gente parece conhecer ou até tenha lido e que agora soube da sua existência. Alguém me falou nele numa conversa de almoço sem se lembrar do nome do autor ou do título completo. retivera as pala-vras espera e centeio que, com algum custo, me permitiu encontrar numa longa pesquisa internética. O assunto central da trama então avançado também me ajudou nessa pesquisa de uma agulha no palheiro. Curiosamente, terá sido o sentido idiomático desta expres-são popular que terá inspirado a opção escolhido na primeira tradu-ção do texto para português publicada entre nós. Foi todavia a edição brasileira de O apanhador no campo de centeio que me ajudou a achar a obra maior de J. D. Salinger, The Catcher in the Rye (1951), agora rebatizada de À espera no centeio.

A história começou por ser publicada parcialmente em fascículos entre 1945 e 1946, para depois ser dada ao prelo no formato integral e definitivo de romance de formação em 1951. É relatada retrospetivamente por Holden Caulfield, após ter sido expulso do Pencey de Argenstown no ano anterior, por ter reprovado a quatro das cinco disciplinas lecionadas esse período naquele reputado colégio da Pensilvânia. A ação deste bildungsroman principia num fim de semana de dezembro e termina na segunda-feira seguinte, nas vésperas do Natal de 1949. O leitmotiv estava encontrado pelo jovem protagonista: passar para o papel os factos ocorridos nesse curto período da sua existência. Completara o seu décimo sexto aniversário à data dos eventos narrados e tinha toda uma vida ainda por viver à sua frente. Fá-lo à boa maneira dum David Copperfield mas com toda uma rebeldia juvenil que Charles Dickens teria dificul-dade em reconhecer.

Internado ao que se depreende num sanatório a despistar um princí-pio de tuberculose, o convalescente é seguido por um psiquiatra, en-quanto recorda por escrito esses dois dias decisivos do seu devir indi-vidual, os tais que marcam a passagem irreversível da adolescência para a idade adulta. Revive, com todos os pormenores que a memória preservou, a visita ao velho professor de História, a conversa com o colega de quarto ao lado e a discussão com o parceiro do seu. Sai do colégio essa noite e apanha o comboio para Nova Iorque, instala-se num hotel, telefona a uma prostituta, entra num Nigth Club, regressa de táxi ao hotel, encontra-se com a prostituta e zaragateia com o chulo. E ao sábado segue-se o domingo. Logo de manhã, telefona a uma amiga, dá uma volta no Central Park, dialoga com duas freiras, visita o museu, encontra-se com a irmã e com um antigo professor, patina na pista de gelo da Radio City, assiste a um filme e a uma peça de teatro, entra no jardim zoológico, observa um carrossel, percorre a Quinta Avenida, compra um disco na Broadway, deixa escoar o dia e passa a noite num banco da sala de espera da Central Station. A confissão de duzentas e tantas de páginas estava prestes a findar.

O autorretrato desse anti-herói, propenso à mentira e farto de tudo e de todos, sempre pronto a criticar o mundo à sua volta, que fala de si com tanto à-vontade como de livros, filmes, teatro, poesia e discos, é ainda aquele rapaz muito estranho que se considera num campo de centeio à espera de apanhar quem comece a correr para um abismo e se arrisque a cair na infância. A ideia surgira-lhe quando ouvira um miúdo cantar uma velha canção popular musicada sobre um poema de Robert Burns, Comin thro' the Rye (1782). A chave do testemunho reside, pois, na confissão que H. Caulfield revela à irmã e J. D. Salinger confia aos leitores. O mistério da tal história louca duma agulha no palheiro à espera do apanhador no campo de centeio dos títulos alternativos estava também ele desvendado.

Traduções: brasileira de 1967 e portuguesas de 1983 e 2011   

3 comentários:

  1. Uma obra há muito referenciada, recomendada para adolescentes em processo de crescimento e amadurecimento.
    Ainda não li.
    Há tempos atrás procurei-a na Net e também me vi grega para chegar a ela.

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  2. Uma história de um jovem que soa a perdido no seu mundo adolescente... São-me familiares o autor e o título na sua primeira versão, Uma agulha no palheiro, mas não consigo identificar porquê, pelo que tomo boa nota desta sugestão!

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  3. Li o livro na adolescência mas com o título " Uma agulha no palheiro ". Agora até fiquei confusa e fui pesquisar na internet; não sabia que também foi publicado como " À espera do Centeio". Devia reler.

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