GEORGE STEINER The Kenyon Review; Gambier V ol. 34, Ediç. 3, (Summer 2012): 3-31,205. |
“These aphorismic fragments have turned up on one of the charred scrolls recently unearthed in what is thought to have been a private library in a villa in Herculaneum. Linguistic evidence and the tenor of argument point to the late second century BC. Some scholars have put forward the name of Epicharnus of Agra. But virtually nothing is known of this moralist and rhetorician (if that is what he was). At several points, moreover, the condition of the papyrus makes decipherment conjectural.”
Toda a literatura antiga que até nós chegou é fragmentária. O minús-culo pico visível duma imensa montanha submersa nas profundezas oceânicas. Feito de muitos restos e muitíssimas lacunas é o acervo cultural escrito produzido entre os rios Tigre e Eufrates e na bacia do mar Mediterrâneo. Isto só para referir as mais destacadas fontes matriciais do mundo ocidental. A volubilidade irónica dos fados quis que o fogo tivesse preservado as obras sumérias e acádias da biblioteca de Nínive e condenado as gregas e latinas da biblioteca de Alexandria. Na mesopotâmica, transformou-as em milhares de placas de argila cozida; na helenística, reduziu-as a uma infinidade de partículas de cinza volátil.
De vez em quando, surge a hipótese de recuperar um ou outro texto perdido num qualquer achado inesperado. Um verso aqui, uma frase ali, uma única palavra acolá no meio de muitas outras caladas para sempre. A grande esperança atual dos amantes incondicionais da herança clássica é a de verem desvendados os mistérios escondidos nos mais de 1800 papiros carbonizados descobertos em 1752 nas ruínas de Herculano. George Steiner acrescenta-lhes um rolo fictício encontrado recentemente na biblioteca privada duma villa dessa cidade romana subterrada pelas lavas incandescentes do Vesúvio em 79 EC e comenta os oito aforismos atribuídos a um tal Epicarno de Agra, um orador moralista que terá vivido no Séc. II AEC. Depois, reúne o produto dessa reflexão na The Kenyon Review, num artigo a que dá o título sugestivo de Fragments (Somewhat Charred) (2012).
Nesses fragmentos de fragmentos um pouco queimados, o escoliasta franco-americano encontra um conjunto de sentenças breves de decifração algo conjetural, a que empresta uma interpretação muito pessoal. Baseado na erudição que a vida lhe outorgou, confronta o papel do silêncio e da claridade que antecedem o ribombar do trovão, questiona o modo como a amizade pode ser a assassina do amor, assinala o abismo estabelecido entre a desigualdade da esco-laridade e a raridade do talento, equaciona a realidade ontológica e substantiva do mal, avalia o poder ilimitado do dinheiro, alerta para o risco de seguir à letra os preceitos despóticos das religiões organi-zadas, destaca o fascínio inebriante exercido pelo canto e a música na psique humana, conclui com uma abordagem muito sentida à imortalidade dos deuses, à mortalidade dos homens e ao estatuto privilegiado dos heróis e dos seres excecionalmente virtuosos peran-te a singularidade da morte.
Nos parágrafos finais do artigo partilhado com uma vintena doutros mais numa revista de referência académica de prestígio reconhecido, também eles fragmentos de visões individuais tornadas públicas, o ensaísta detém-se com algum pormenor nas misérias da velhice, no atrofiamento da mente, na liberdade de escolher a morte, seja pelo suicídio puro e duro, seja pelo recurso à eutanásia, permitindo assim que o espírito consciente de quem parte volte livre para os elementos a que pertence. Numa altura em que se debate tão acaloradamente entre nós a despenalização da morte medicamente assistida, possam estes aforismos atribuídos ao Epicarno de Agra imaginado por George Steiner servir de ponto de partida real para reflexões pessoais clarificadoras, realçadas com a lucidez sempre sábia da razão.
Nos parágrafos finais do artigo partilhado com uma vintena doutros mais numa revista de referência académica de prestígio reconhecido, também eles fragmentos de visões individuais tornadas públicas, o ensaísta detém-se com algum pormenor nas misérias da velhice, no atrofiamento da mente, na liberdade de escolher a morte, seja pelo suicídio puro e duro, seja pelo recurso à eutanásia, permitindo assim que o espírito consciente de quem parte volte livre para os elementos a que pertence. Numa altura em que se debate tão acaloradamente entre nós a despenalização da morte medicamente assistida, possam estes aforismos atribuídos ao Epicarno de Agra imaginado por George Steiner servir de ponto de partida real para reflexões pessoais clarificadoras, realçadas com a lucidez sempre sábia da razão.
Interessantes reflexões sobre questões que se levantam ao ser humano durante a sua existência de séculos, fragmentos que se adicionam para explicar a sua complexidade... E, no afinal, tudo se resume em nascer sem pedir, mas viver em liberdade e morrer como ser livre. O suicídio sempre existiu na sociedade, a morte assistida é uma forma de apoio social aos que escolhem o caminho da dignidade quando o fim já foi anunciado.
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