«O escritor "pode" considerar a Política como exterior ou indiferente às suas preocupações essenciais. A Política é que não é da mesma opinião e o considerará a ele no interior das "suas" preocupações.»Eduardo Lourenço
Hoje não vou ouvir de manhã à noite as músicas votivas do dia da liberdade. O ambiente de enfermaria ainda está muito presente na minha memória para abraçar de ânimo leve as grandes manifestações de júbilo revolucionário. Também não me parece que vá assistir pela televisão à transmissão das cerimónias oficiais na Assembleia da República, reduzidas ao mínimo e no meio de grandes polémicas dignas das guerras de alecrim e manjerona, de quem se recusa a entender o real significado do ato. Por experimentar terá de ficar igualmente uma Grândola cantada na hora acordada à janela, que a voz ainda não dá para tais habilidades canoras. E com confinamentos e quarentenas em vigor, por via dum COVID-19 indesejado, a saída para viver em 2020 o 25 de Abril de 1974 na rua estava condenada logo à partida.
Hoje vou seguir um roteiro diferente. Vou cantar mentalmente cada uma das cantigas, canções, cantos e contracantos d'O nosso amargo cancioneiro, compilado por José Viale Moutinho em 1972. Uma quase centena de poemas musicados em forma de baladas de intervenção, estimulantes e provocadoras, um libelo de sensibilização política, rascunho de obra de maior esforço, como se refere no prefácio. Poetas, compositores e intérpretes a darem corpo e voz às palavras das trovas e lendas dos tempos pretéritos e do porvir. Ouvi-as e entoei-as vezes sem conta em convívios académicos ou encontros de amigos, numa semi ou total clandestinidade e nos locais mais insuspeitos de Lisboa. Por vezes na companhia dos cantautores, que se faziam acompanhar por uma ou outra guitarra. José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Fausto, José Jorge Letria, Vitorino, Carlos Alberto Moniz, Ruy Mingas. Artes poéticas próprias e alheias. Alexandre O'Neill, Sophia de Mello Breyner, António Gedeão, Carlos de Oliveira, Hélia Correia, Natália Correia, José Saramago. Sentados no chão, saudávamos os ausentes e entoávamos em coro o Francisco Fanhais, o José Mário Branco, o Manuel Freire, o Sérgio Godinho. E o canto livre à procura doutras liberdades fazia-se assim.
Hoje vou começar com um «Epigrama» de Afonso Duarte e Luís Cília (Há só mar no meu país [...] é ele quem sou) e vou terminar com uma «Canção para uma manhã diferente» de Vieira da Silva (Somos andorinhas negras [...] da manhã nunca encontrada). O alfa e ómega dum amargo cancioneiro que guardo religiosamente há quase meio século. De permeio trautearei em surdina algumas dezenas mais de miniepopeias em verso variado que contam a história dum país em busca de novos rumos. Repetir como as gentes da Beira Baixa: Viva a malta, trema a terra | Daqui ninguém arredou! | Quem há de tremer na guerra | Sendo homem como eu sou? Testemunho precioso de percursos espinhosos, trilhados por uma geração que olhava em frente como filha da madrugada, que viveu a guerra para conquistar a paz. Livrinho gasto pelo tempo e preservado pelas memórias que cantam a vida que fomos e levamos connosco, dentro de nós, por aí fora.
Hoje vou seguir um roteiro diferente. Vou cantar mentalmente cada uma das cantigas, canções, cantos e contracantos d'O nosso amargo cancioneiro, compilado por José Viale Moutinho em 1972. Uma quase centena de poemas musicados em forma de baladas de intervenção, estimulantes e provocadoras, um libelo de sensibilização política, rascunho de obra de maior esforço, como se refere no prefácio. Poetas, compositores e intérpretes a darem corpo e voz às palavras das trovas e lendas dos tempos pretéritos e do porvir. Ouvi-as e entoei-as vezes sem conta em convívios académicos ou encontros de amigos, numa semi ou total clandestinidade e nos locais mais insuspeitos de Lisboa. Por vezes na companhia dos cantautores, que se faziam acompanhar por uma ou outra guitarra. José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Fausto, José Jorge Letria, Vitorino, Carlos Alberto Moniz, Ruy Mingas. Artes poéticas próprias e alheias. Alexandre O'Neill, Sophia de Mello Breyner, António Gedeão, Carlos de Oliveira, Hélia Correia, Natália Correia, José Saramago. Sentados no chão, saudávamos os ausentes e entoávamos em coro o Francisco Fanhais, o José Mário Branco, o Manuel Freire, o Sérgio Godinho. E o canto livre à procura doutras liberdades fazia-se assim.
Hoje vou começar com um «Epigrama» de Afonso Duarte e Luís Cília (Há só mar no meu país [...] é ele quem sou) e vou terminar com uma «Canção para uma manhã diferente» de Vieira da Silva (Somos andorinhas negras [...] da manhã nunca encontrada). O alfa e ómega dum amargo cancioneiro que guardo religiosamente há quase meio século. De permeio trautearei em surdina algumas dezenas mais de miniepopeias em verso variado que contam a história dum país em busca de novos rumos. Repetir como as gentes da Beira Baixa: Viva a malta, trema a terra | Daqui ninguém arredou! | Quem há de tremer na guerra | Sendo homem como eu sou? Testemunho precioso de percursos espinhosos, trilhados por uma geração que olhava em frente como filha da madrugada, que viveu a guerra para conquistar a paz. Livrinho gasto pelo tempo e preservado pelas memórias que cantam a vida que fomos e levamos connosco, dentro de nós, por aí fora.