Giuseppe Arcimboldo
Testa reversibili com canestro di fruta (1590)
French & Company NY
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Anjos-da-Guarda & Fadas-Madrinhas
Os cuidados intensivos dum hospital são um mundo à parte. Há sempre alguém disponível para nos dar aquele conforto necessário quando os momentos de maior ansiedade chegam. Também conheci alguns. Num deles, mereci a visita duma enfermeira. Sentou-se ao meu lado e encetámos uma longa conversa. Incentivou-me a confiar no meu anjo-da-guarda protetor, sempre pronto a velar por mim quando dele necessitasse. Ao confessar-lhe a minha descrença no transcendente e nas religiões, avançou haver sempre algo a que nos prendêssemos e nos desse ânimo para superar as dificuldades. Concordámos ser a família uma óbvia solução para mentes agnósticas.
Os jogos do real e do imaginário trouxeram-me à memória a primeira noite que ali passara. Aquele em que vi deslizar até mim com passos de sílfide sem asas a minha filha, preparada para me prestar os cuidados noturnos. Julguei ouvi-la tratar-me por paizão logo mudado para senhor com frases enigmáticas proferidas na terceira pessoa. Estranhei, mas deixei-me embalar pela presença apaziguadora. Dormi tranquilo a sonhar com a minha fada-madrinha, a quem o tubo do ventilador me impedira de falar. Posteriormente percebi que tudo não passara duma ilusão ótica associada à audição de algumas palavras que o subconsciente queria ouvir. Partidas dos sentidos com sentidos ambíguos.
Giuseppe Arcimboldo (1527-1593), o grande mestre do maneirismo italiano, é que era exímio na criação de imagens de percepção dupla, tal como representar uma cabeça reversível em cesto de frutas. A bata branca, o formato dos óculos, a cor do cabelo apanhado em rabo de cavalo e a máscara cirúrgica ajudaram ao equívoco, semelhante aos efeitos pictóricos criados nas telas quinhentistas do criador milanês de cenários manipulados. Todos os rostos tapados são idênticos porque impessoais. Assim a jovem enfermeira desconhecida trouxe até mim a minha filha, tratando de mim como um verdadeiro anjo-da-guarda real sem qualquer vestígio duma ilusão imaginária.
Primeiro do que tudo, bom dia!
ResponderEliminarUm belo texto em forma de divagação inspirado nos tempos infinitos de confinamento hospitalar.
Continue a escrever para nós, seus leitores fiéis.
Olá Artur! Obrigada pela bela escrita. Nela consigo concentrar-me, coisa que não tenho tido paciência para fazer com um livro simples começado há já algum tempo. Por curiosidade (em saber de ti) tenho imenso gosto em ler o que escreves e consigo aconcentração que julgava desaparecida. Obrigada e um grande abraço (gosto de abraçar, mais que um beijinho)
ResponderEliminarAinda bem que te aparece de vez em quando uma fada-madrinha a trazer-te conforto no ambiente hospitalar, que te inspire a redigir belos textos como este. Com os anjos-da-guarda familiares sempre presentes a apoiar-te neste confinamento, é bom saber que a inspiração também não te abandona, permitindo-te sublimar em palavras o desassossego destes dias.
ResponderEliminarLinda descrição das sensações de cambio subconsciente! Antológico, Artur! O texto, enriquecedor e inspirado como sempre. Feliz por vê-lo espiritualmente atento! Forte abraço! Melhoras!
ResponderEliminarBom dia Artur. Que bom que é poder lê-lo... que descoberta feliz os seus textos e reflexões. Fique bom depressa.
ResponderEliminarMuito bem, Artur! Acordar de uma anestesia já experienciei e devo confessar que ter um anjo da guarda ao lado é uma doce sensação.
ResponderEliminarO imaginário quando estamos inconscientes "trabalha" e por vezes deixa vestígios quando a consciência acorda. O sentido da audição não dorme. Com ou sem confinamento que o dia traga rasgos de luz e esperança.
ResponderEliminarAcredito em anjos-da-guarda, tenho todos os que amei (e amo) que de esferas celestes me continuam a proteger. Quem nos ama nunca nos abandona.
ResponderEliminarUm belo texto amigo; em qualquer altura na vida a nossa mente leva- nos do imaginável ao real .
ResponderEliminarAcreditar! Lindo texto Artur. Continua a escrever o teu sentir, q aprecio muito. Abraço e saúde para ti.
ResponderEliminarTambém acredito que todos temos anjos-da-guarda, independentemente das nossas crenças.
ResponderEliminarUm grande abraço, Artur.
Confie. Brevemente, tudo irá ficar bem.
Bom Dia Artur, escrito às 04:59h. Acordas assim com este brilhantismo todo !! Um texto que traduz bem a neblina que paira sobre os CI independentemente de horas, dias ou noites...tudo é poroso fazendo recordar imagens de Noronha da Costa....as nossas defesas são inimagináveis, mágicas, quando como tu as sabemos trazer à vida, que tanto gostam de povoar...
ResponderEliminarGostei muito do teu texto. As tuas melhoras rápidas�� Parabéns para quem cuida de ti nessa quarentena diferente e forçada e para todos os profissionais que nestes dias difíceis zelam por tanta gente.
ResponderEliminarBom dia Artur! Parabéns pelo modo como está a viver este confinamento, envolto entre um mistério de vida, de esperança, de pessoas, que tal como tu, aguardam ir para o seio do Lar,da Família .
ResponderEliminarSó,com um Anjo da Guarda pelo meio, há essa força ..... essas batas brancas, com uma palavra de confiança, de carinho,....digo mesmo ,de Amizade.Conserva esse humor, essa esperança, que em breve te levarão à tua Casa.
Gostei do texto ... e da sua resili~encia por onde também passa a aescrita. Abraço.
ResponderEliminarGostei do texto ... e da sua resili~encia por onde também passa a aescrita. Abraço.
ResponderEliminarBravo, Artur! Acreditando ou não nos anjos da guarda, o que é facto é que eles existem no nosso imaginário e metamorfoseiam-se para chegar até nós!
ResponderEliminarUm grande beijinho de boa noite, amigão!
No creo en "anjos da guarda", pero que los hay, los hay
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