21 de abril de 2020

As janelas do meu quarto


AMADEO DE SOUZA-CARDOSO


As janelas do meu quarto de enfermaria dão para um espaço urbano despejado de gentes. Foram substituídas pela passarada que em bailados frenéticos aproveitam uma liberdade até há bem pouco desconhecida. Aberturas privilegiadas para um exterior interdito, permitem-me assistir ao nascer e ao pôr do sol, à alternância cíclica entre a iluminação artificial da noite e a natural do dia. Por uma delas, consegui acenar à distância de dois andares à minha mulher e filha. Momento único e inesquecível. Chamámos-lhe janela dos namorados.

Entre paredes dum hospital, recordo-me das janelas lá de casa, amplas e abertas para a vida. Entre o mar e a montanha, avistamos a praia de Faro e da Ria Formosa, o farol meridional da ilha da Culatra e vislumbramos alguns cerros da serra do Caldeirão. No centro deste cenário, reina o bairro piscatório de São Pedro, constituído por açoteias dispostas em anfiteatro. Olhamos pelo jardim suspenso da varanda. Morangos, framboesas, mirtilos, pitangas, cunquates, fisálias, ervas aromáticas e tomates cherry. Paraíso perfeito onde é bom viver e dá vontade de regressar.

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As janelas do meu quarto não são coloridas como as janelas coloridas pelo Amadeo de Souza-Cardoso nas Casitas Claras de 1915/16. Não foram pintadas para ser penduradas numa parede especialFazem parte da própria estrutura que as sustém. Levam em si todas as possibilidades que o branco lhes dá, que é o conjunto de todas as cores dum arco-íris. Estão abertas de par em par para a luz solar que brota dia a dia do exterior. Atentas à estação do ano em que se esteja a recebê-la. As minhas janelas são a emanação da própria vida a superar as subtilezas criadas  pela arte.

5 comentários:

  1. Janelas inspiradoras de um quarto de hospital com vista privilegiada sobre a natureza renascida. Janelas que lembram o colorido da vida entretanto suspensa e que em breve será retomada com outro sentido de valor. Obrigada, Prof., por partilhar este texto tão colorido de emoções humanas.

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  2. Teresa Salvado de Sousa6 de maio de 2020 às 09:38

    Somewhere over the rainbow o paraíso em forma de casa. A porta está quase a abrir-se, as tuas janelas estão à tua espera. E nem precisas de sair do sofá, basta abrir os cortinados

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  3. A emanação da vida a criar as subtilezas da própria arte... Feliz de quem as vê! Abraço amigo, a tua espera!

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  4. Lurdes Rufino Ferreira6 de maio de 2020 às 09:42

    Neste tempo de confinamento num hospital acredito que veja as janelas com mil e uma cor!

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