« – Naturellement, vous savez ce que c'est, Rieux ?– J'attends le résultat des analyses.– Moi, je le sais. Et je n'ai pas besoin d'analyses. J'ai fait une partie de ma carrière en Chine, et j'ai vu quelques cas à Paris, il y a une vingtaine d'années. Seulement, on n'a pas osé leur donner un nom, sur le moment. L’opinion publique, c’est sacré : pas d’affolement, surtout pas d’affolement. Et puis, comme disait un confrère: " C'est impossible, tout le monde sait qu'elle a disparu de l'Occident ". Oui, tout le monde le savait, sauf les morts. Allons, Rieux, vous savez aussi bien que moi ce que c'est.Rieux réfléchissait. Par la fenêtre de son bureau, il regardait l'épaule de la falaise pierreuse qui se refermait au loin sur la baie. Le ciel, quoique bleu, avait un éclat terne qui s'adoucissait à mesure que l'après-midi s'avançait.– Oui, Castel, dit-il, c'est à peine croyable. Mais il semble bien que ce soit la peste. »Albert Camus, La Peste (1947)
Nas décadas de 70 e 80, o ensino do francês nos ensinos preparatório e secundário era ainda uma realidade plena bem visível, percorrendo um caminho bem delineado, que ia da iniciação à expressão literária. Coube-me em 1981-82 lecionar a disciplina aos 10.ºs e 11.ºs anos dos cursos complementares diurnos e noturnos, frequentados por futuros eletricistas, mecânicos e carpinteiros. Um real desafio realizado com alunos que tinham um conhecimento muito limitado da língua e um interesse ainda menor de o melhorar. O embate sofreu um impacto suplementar, quando nos deparámos com a leitura integral, dum dos títulos mais marcantes de Albert Camus, A peste (1947), que o terá ajudado a arrebatar o Prémio Nobel da Literatura em 1957. A páginas tantas, passaram a lê-la em português e, mesmo assim, com muita dificuldade. Resolvi organizar umas sessões livres, para melhor entenderem o contexto geral em que tinha sido composta e aproveitei para lhes dar umas luzes da corrente existencialista ainda presente na obra. Resolvemos minimamente os obstáculos encontrados, o que não me impediu de dar um suspiro de alívio no final das aulas. Nunca mais peguei no romance. Só agora, com a crise pandémica em curso, o voltei a reler e a reviver a enorme carga dramática que o envolve, apesar de se tratar duma simples epidemia ocorrida na cidade argelina de Oran, em data incerta do decénio de 1940, provavelmente logo após o término da II Guerra Mundial e muito próximo da sua publicação em livro.
Nessa época já distante, o formalismo russo ainda estava na moda entre nós, representado pelos seus herdeiros do Círculo Linguístico de Praga e da Escola de Paris. O estruturalismo não foi esquecido nos programas de língua, sendo chamado a atuar na análise literária das obras de leitura integral. E foi assim que me vi a abordar o modelo actancial de Greimas* para sintetizar eficazmente os eixos semióticos e princípios narratológicos seguidos por Camus, através da definição para cada actant dos respetivos acteurs. Tão simples como inferir que os habitantes de Oran (sujeito) foram obrigados a lutar contra a peste (objeto). Para tal, foram confrontados com a solidariedade coletiva da comunidade (adjuvante) a impor-se ao individualismo manifestado por alguns dos seus membros (oponente). No final, que todo este jogo de forças tivera origem no aparecimento da epidemia (destinador), tendo como resultado desejado a sobrevivência dos cidadãos (destinatário). A coisa até nem correu mal de todo. O mais complicado foi chegar a estas conclusões sem recorrer demasiado ao português.
Lidas as histórias de ratos, gatos, cães, pulgas e pestes, distribuídas por cinco partes e trinta capítulos não numerados, apercebemo-nos que os efeitos catastróficos do flagelo epidémico descritos à exaustão no romance não divergem muito dos sofridos nos nossos dias, a uma distância de 3/4 de século, pelo surto pandémico do Covid-19. A diferença está em que o local da ficção se transformou no global da realidade factual. No meio das vítimas diárias anunciadas nas rádios de então e nas televisões de agora, o panorama das dificuldades experimentadas por uns e por outros resulta idêntico, dispensando uma pormenorização minuciosa, por ser do conhecimento geral de todos. Quando chegamos à última página do livro, perguntamo-nos se, de facto, se trata da crónica dum evento efetivamente acontecido ou meramente imaginado. Ao que tudo indica, trata-se mesmo da segunda hipótese, a funcionar como uma alegoria do absurdo da existência humana, como uma tentativa de resistir aos horrores duma guerra pela qual tinha acabado de passar, uma praga devastadora, que havia espalhado a morte indiscriminadamente a nível mundial, uma verdadeira peste mais grave que a bubónica, porque causada pela cegueira humana, para a qual continua a não existir uma vacina eficaz que a possa evitar ou curar, a não ser uma racionalidade há muito perdida nas brumas dum tempo imemorial por quem a devia deter e exercer.
Ainda bem que os textos estão disponíveis na net, Prof., para benefício dos estudantes de Literatura! Belíssima aula!
ResponderEliminarLi "A Peste" há muitos anos mas, mesmo assim, ainda me lembro da impressão forte que me causou a descrição da pandemia na cidade, que acabou por ser confinada, menos para os que se consideram superiores aos seus semelhantes e que trataram de arranjar esquemas para fugir. Na realidade, parecia ser um cenário surreal utilizado pelo autor como tema para sublimação de outros horrores do mundo. Mal sabia eu que seria um dia uma personagem de um cenário parecido. E ainda tenho a veleidade de dizer que é uma sorte não me aparecerem pela frente ratos e pulgas e outros bicharocos antipáticos para ajudarem a disseminar a pandemia...
Não o tenho na minha estante... Irei tratar de resolver esse assunto e ler, mas acho que, como os teus electricistas, vou buscar a versão portuguesa.
ResponderEliminarMuito interessante, a análise do livro.
ResponderEliminarDesconhecia, e, claro, não tenho de conhecer, o tipo de análise de texto que se aprende a nível académico.
Qto ao autor, ainda não li nada.
No decorrer desta pandemia, têm sido recordadas diversas obras literárias escritas ao longo do tempo sobre outras pandemias.